DONA-DE-CASA, EU?

Neste domingo que passou, em um jornal da capital, fui citada em matéria sobre uma questão que vem tirando meu sono ultimamente, e que já discuti aqui neste espaço: o resíduo do financiamento da minha casa própria que graças à matemática perversa do sistema financeiro de habitação atingiu valores que eu jamais terei como pagar um dia. O jornal, em certo momento da matéria, refere-se a mim como “dona-de-casa”, termo que despertou comentários brincalhões por parte dos meus amigos, que passaram o dia me ligando e perguntando se eu depois de velha tinha assumido a vassoura e o esfregão.

Explico. Desde os meus tenros anos prometi a mim mesma e ao mundo que jamais me submeteria ao padrão doméstico tradicional que se exigia de quem, como eu, havia nascido mulher por volta dos anos 1950. Jamais permitiria a mim mesma aprisionar-me no círculo casa-marido-filho-empregada que manietava e atrofiava minhas amigas. Usei mini-saia, anticoncepcional e “fui morar junto sem casar” antes de quase todo mundo, e sempre fui avessa à figura da Rainha do Lar. Meus filhos, pois tenho dois, adultos, produtivos, saudáveis e belos, jamais me viram “com o chinelo na mão, e o avental todo sujo de ovo”, retrato materno eternizado na canção popular de David Nasser e Herivelto Martins. Sempre trabalhei fora, sustentei a mim e aos meus filhos, comia de marmita, e nunca abri mão da minha carreira profissional.

Por isso as brincadeiras que venho ouvindo ao longo da semana, ao ser chamada de dona-de-casa na matéria de jornal. Dona-de-casa é tudo que eu não sou. Como o poeta Mário Quintana, penso que a vida ideal devia ser morar em um hotel, onde não precisasse me preocupar em arrumar, cozinhar, lavar ou quaisquer outras tediosas tarefas domésticas; onde pudesse pedir qualquer tipo de comida durante as vinte e quatro horas do dia; onde não precisasse me aborrecer com torneiras quebradas, chuveiros passando corrente, pintura descascando ou o que fosse; e onde pudesse receber meus amigos no bar, no hall, no restaurante, na piscina ou mesmo na cama ou chuveiro sem me preocupar com nada mais.

Isto posto, tranqüilizo o coração de todos e reafirmo que não sou nem nunca serei uma “dona-de-casa”. Sou o que sou: professora, escritora, dramaturga, atriz, agitadora cultural, blogueira e twitteira, administradora de sites e lista de discussão na Internet, pesquisadora da cultura popular, violonista nas horas vagas quando não tem ninguém olhando, violoncelista frustrada, gourmet amadora e fiscal da natureza. Com muito orgulho, sim senhor.

Clotilde Tavares