O dia que ficou num sonho
 
Tenho um sonho repetido que diz uma tia minha ser real, mas minha mãe sempre desmente, pois foi chocante para mim de tal forma que não deixo de sonhá-lo.
Tão chocante para mim quanto para ela que ficou psicótica e neurótica com a questão de quem leva e pega sua filha e depois o seu casal de filhos para o colégio ou seus afazeres.
Já que trabalhava, e meu pai também, eles não tinham hora para me buscar na escola, então muitas vezes que me lembro que usava condução escolar.
Já no colégio Montessoriano foi bem diferente: minha mãe ficou incumbida de pegar-me. E, sendo eu filha única, dificilmente minha mãe me esqueceria de buscar-me na hora da saída. Pois bem, sonho ou realidade vou-lhes contar.
Chegada a hora da saída, batendo o sinal, corri para o portão do colégio onde ficava lá a diretora, levando-nos até o carro de nossos pais e nos dando adeus. Não me lembro se isso era rotina, pois era muito pequena, então nesse dia a coisa parece ter ficado mais marcante da presença da diretora.
Lembro do parquinho e da área enorme que parecia um hotel fazenda, lembro da escola e também de poder ver o mar quando saía. Como morava na Urca, imagino que nossa casa não era distante, pois não demorávamos a chegar.
Nesse dia, estive olhando para um lado e para outro e nada de mamãe.
Passou muito tempo, acho, noção ainda não tinha, pois não tinha relógio e nem sabia ver a hora. Deveria ser do maternal, na época.
Eu sei que era já pôr-do-sol e nada da mamãe.
Não havia mais ninguém no colégio e a diretora não tinha conseguido entrar em contato com meus pais. Foi então que vi a diretora e minha professora (era uma moça que eu gostava e respeitava muito) e a servente – as três com mãos na nuca, na testa, e caras de preocupação.
A diretora ligou para alguém, foi para a porta e ficou olhando direto, até que chegou um táxi. Tranqüilizei-me, pois achei que ela iria me acompanhar até em casa, mas logo depois fiquei meio tonta, pois ela queria que eu fosse sozinha. Eu estava em pânico, branca, gelada.
A diretora encaminhou-se para o carro, arrastando-me, e perguntou se o taxista sabia chegar à minha rua – detalhe que eu não sabia. Eu morava num lugar que todos conheciam na área, mas o motorista não sabia, aí que comecei a suar frio e quase desmaiar.
A diretora me viu começar a chorar e falou brava:

 — Você tem que começar a aprender ser mais independente... Vá, ele está com endereço e qualquer problema você ajuda a ele indicando pelo menos o prédio, para alguma coisa você deve prestar, garotinha chorona e manhosa. Além de me dar problemas durante o dia, pois seus colegas não gostam de você, ainda faz teatrinho para comover a gente... Mas não adianta que eu já disse que não levo você, tenho minha vida.
Pronto, desabei mesmo.
Entre soluços e gritos, de repente vi uma pessoa empurrando a cretina da diretora: era minha mãe me puxando assustada do táxi e falando para a dita cuja que nunca mais a filha dela pisaria naquele colégio, pois eu já estava tendo conflitos demais com a didática e a orientação pedagógica deles, para ter também com o tipo de educação rígida e repressora do colégio – ao que a diretora revidou com uns impropérios para mamãe.
É só disso que me lembro.
Não, há mais. Lembro ainda que ela me levou para comer um hambúrguer que eu adorava no Rio Sul, ainda não tinha Mc Donnald´s nessa época, e também, até hoje, lembro do gosto desse sanduíche e do abraço forte no colo de minha mãe.

Cris Passinato

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