AMIGO, POETA E CIDADÃO LAU SIQUEIRA

Conheci Lau Siqueira no lançamento de seu livro de poemas chamado “O guardador de sorrisos”, naquela noite movimentada na praça do Pavilhão do Chá. Na época, eu fazia parte do Teatrália, grupo dramático de performances poéticas. O Teatrália foi convidado para fazer dramatizações de alguns poemas de Lau por ocasião do lançamento de seu livro.

Lembro-me bem. Era 13 de junho de 1998, noite límpida na praça Venâncio Neiva. Poetas, artistas, intelectuais e amigos de modo geral estiveram lá. Curiosos, pivetes e prostitutas também marcaram presença e, de longe, observavam, queriam entender e interagir. Nós, do Teatrália, adentramos o recinto, roupas pretas, maquiagens esquisitas, e recitamos, desvairadas, versos de Lau Siqueira: “dentro de mim morreram muitos tigres, os que ficaram, no entanto, são livres.”

Com os olhos muito abertos, sobrancelhas arqueadas, eu falei em tom de denúncia este poema de Lau Siqueira: “são tristes as folhas murchas do repolho que um homem faminto não pode comer.”

Na platéia, escutaram-se ruídos discretos de garrafas e copos, misturados aos sons dos goles etílicos. De verso em verso, uma energia estranha perpassou todo o recinto. No final da performance, ouviu-se o último poema: “que a morte me encontre embriagado, e que não ria ao me ver do outro lado.”

Por que estou dizendo essas coisas, alguém há de perguntar. Estou dizendo essas coisas porque foi assim que tive o primeiro contato com Lau Siqueira. Foi a partir de então que desenvolvemos uma relação muito forte de amizade e principalmente de cumplicidade.

Muitos anos após 1989, novos tempos haveriam de chegar, novos conceitos mudariam o acontecer histórico da cidade. O prefeito Ricardo Coutinho foi feliz na escolha de seu parceiro cultural. Lau Siqueira se inseriu muito bem nesses tempos de magia, tempos de mago, de sabedoria. Eis que o poeta Lau sobe os degraus daquele velho e lindo prédio da Funjope, no Centro Histórico. Lau se acercou de gente como a gente e projetou colocar em prática o que sempre teve em mente: que cultura não é coisa para privilegiados, nem para apadrinhados. Que todo mundo tem direito aos bens culturais. Que cultura é tudo que se realiza, desde o modo de pisar o chão, até a realização de grandes eventos.

A hora de Lau Siqueira era chegada. Significava, por exemplo, que a cultura popular teria sua vez no cenário da cidade. Significava que os meninos do hip hop teriam um espaço no palco da praça e da vida. Significava que as Paixões de Cristo deixariam de ser espetáculos globais e passariam a ser as paixões da gente, paixões de trabalhadores, de lavadeiras, de prostitutas e de freiras. Isso significava, também, que a Banda 5 de Agosto não mais tocaria somente em portas de igrejas ou de palácios para saudar autoridades que chegavam. A banda 5 de Agosto ganharia novos espaços. Hoje, a 5 de Agosto é um show em si mesma.

Ao longo desses novos tempos de magia, presenciei cenas comoventes em alguns recantos da cidade. Vi, por exemplo, na Praça do Coqueiral em Mangabeira, uma banda de rock de periferia subir ao palco do anfiteatro e escutei os jovens componentes da banda a dizer, com as vozes roucas de emoção: “Gente, pela primeira vez estão nos concedendo um espaço para mostrar nosso trabalho, nós que nunca pisamos num palco de verdade, nós que só tínhamos o quintal de nossas casas. Vejam, estamos aqui...”

Outro dia, presenciei um espetáculo de teatro na Praça da Paz, o Anfiteatro Lúcio Lins lotado, e me comovi quando, no final, o diretor se dirigiu à multidão e declarou com a voz entrecortada: “Gente, era meu sonho um dia apresentar um espetáculo para um público e um espaço como este. Estamos profundamente agradecidos a esta gestão cultural que está aí direcionando novos rumos para a cidade.”

Através da Funjope desses novos tempos, tive o prazer de realizar o CD Viva Pedro Santos, depois de esperar durante quase oito anos após o projeto ter sido aprovado pela Comissão Normativa da gestão anterior.

Nesses tempos de Lau Siqueira, vi escritores que nunca tinham publicado uma linha sequer por falta de oportunidade, vi essas pessoas num Agosto das Letras fazerem o lançamento de seus primeiros livros. Eu estava presente ao evento naquela noite, no Centro Cultural São Francisco. Foi grande a emoção dos novos escritores, pessoas até então completamente anônimas.

Meu querido Lau, companheiro de letras e cumplicidades. Quero, neste momento, de dentro do meu coração, agradecer pela sua gestão comprometida com a cidade, com as pessoas de bem. Muito obrigada por ter adotado esta cidade como se fosse uma irmã. Muito obrigada por ter orquestrado esta sinfonia cultural que encheu nosso espaço urbano de sons, cores, letras e imagens ao longo de toda a sua gestão à frente da Funjope. Muito agradecida, Lau. A arte chegou ao lugar onde moro. Hoje meu bairro conhece o melhor do teatro, da música, do cinema, o melhor da literatura. Muitos artistas brotaram dessa energia que perpassou os recantos da cidade, desde a periferia, percorrendo as praias, as praças, os ônibus.

Vivemos tempos de mágicas e de Mago. O show tem que continuar, o espetáculo não pode parar. A cidade quer a continuidade desse espetáculo. Os meninos do hip hop, os artistas das praças, dos anfiteatros, os músicos, os artistas de rua, os palhaços, os escritores novos e veteranos, os meninos das Oficinas de Leitura, as Palavras Plantadas da Bica, as lapinhas e cirandas, as quadrilhas juninas, o carnaval tradição, essa multidão de artistas precisa concluir ou continuar seus trabalhos. A arte e os artistas agradecem a você, Lau Siqueira, pela sua luta contra a mediocridade, sua luta por uma cultura mais autêntica, seu empenho por uma distribuição mais justa dos bens culturais.

Dôra Limeira

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