Em memória de José Neudson Pinto
(* 03/05/1953 + 05/03/2013)

De nossa infância, lembro-me que Neudson era um menino bonito e roliço, de pernas tão bem torneadas que o chamávamos de “coxa de mulher”. Nossa irmã Nicea o batizou e continuou chamando-o pela vida afora de Teteta. Ontem, me contaram que também o apelidaram de Borba Gato, referência à estátua horrenda de Santo Amaro. Uma injustiça: ele era mais alto do que eu e também mais encorpado, mas em nada lembrava o bandeirante. Como meu pai, José Anchieta, ele era pacato, prudente e lento, quase lerdo. Talvez influenciado por nosso tio Raimundo, irmão de minha mãe, seu sonho sempre foi ser médico. Talvez só o Flamengo, uma paixão de família e cuja bandeira o acompanhou no caixão, podia competir com o interesse por sua profissão. Era cirurgião de abdome, mas virava clínico geral nas férias. Enquanto seus seis irmãos, eu inclusive, viajávamos para o exterior ou para o litoral no tempo livre, ele voava para a Fazenda Rio do Peixe, onde nasci, e atendia paciente e gratuitamente longas filas indianas de sertanejos pobres e sem médicos por perto. Estas viagens preenchiam a lacuna da saudade que ele sentia de nossa terra. Nunca se acostumou com João Pessoa, onde cursou a faculdade, nem com São Paulo, onde fez residência e operava. Sua conexão com o sertão de berço era permanente. Levava os filhos Alexandre e Ana Carolina com ele e lhes ensinou a amar nossas raízes a ponto de ficarem lá mesmo quando estavam aqui, lembrados nas pegadas das patas de reses magras e sem valor comercial. Ana Carolina vai levar suas cinzas para enterrar no quintal da casa onde só eu nasci: ele e mais quatro nasceram em Uiraúna e Anchieta Filho, em Campina Grande. Apesar de amar tanto a Medicina que levou o filho a aprender o ofício na Faculdade da USP em Ribeirão Preto, ele desafiava seus cânones fumando desbragadamente desde a adolescência. A nicotina levou a vida de meu irmão no dia em que a morte de Hugo Chávez foi anunciada. Por coincidência, o companheiro bolivariano morreu com a idade dele: 58 anos. No caso de Neudson, a menos de dois meses de completar 59 e 15 meses antes de chegar ao tempo de vida cumprido por nosso pai. Lastimo sua ausência, lamento a falta que sentiremos do humor irreverente, mas inocente dele, nas reuniões de família. Mas não o condeno por ter preferido o tabagismo a mais um prazo de vida entre nós. Quem sou eu para condená-lo se também me mato diariamente ao ingerir açúcar com  taxas explosivas de glicemia similares às que assassinaram nosso pai? Agora estamos compartilhando a saudade dele com a viúva, Karen, e os órfãos. De certa forma, todos somos órfãos do mais afetuoso e próximo de toda a prole dos primos Mundica e Anchieta. Deus vele pelo conforto de sua alma e nos fortaleça para suportar sua ausência.

José Nêumanne Pinto

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