Missa do Galo
"Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta".
(Machado de Assis)


            O conto de Machado de Assis, “Missa do Galo”, mostra o encontro e o tímido diálogo entre um jovem e uma senhora casada numa noite de Natal. Praticamente nada acontece objetivamente entre os dois. Mas Machado de Assis parece querer dizer que, onde nada acontece, tudo pode estar acontecendo subjetivamente e, para que o percebamos, é preciso apurar os ouvidos e ler nas entrelinhas as marcas do desejo não explícito.

          Além do jovem Nogueira e Dona Conceição, outras personagens são citadas sucintamente durante a narrativa; Dona Inácia, mãe de Conceição e duas escravas. Há ainda um vizinho, o qual era esperado pelo narrador, para juntos, irem à Missa do Galo.

            A compilação do conto começa quando Conceição entra na sala onde Nogueira estava lendo um romance, Os Três Mosqueteiros, fazendo hora e esperando pela meia-noite. O enredo segue descrevendo o inusitado encontro, numa noite de natal, entre um rapaz com dezesseis anos e uma mulher de trinta, que se mostrava amistosa e compreensiva, especialmente naquela noite.

            O clímax da narrativa ocorre quando Conceição fica inquieta, andando de um lado para o outro e, quando se senta, cruza as pernas de uma maneira sensual, despertando toda a libido de Nogueira, que via em Conceição uma mulher “linda, lindíssima (...)”.

      O narrador não descreve as feições de Conceição, mas deixa pistas para que o leitor observe seus movimentos sutis, como descreve em certos trechos: “De vez em quanto passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos”. Em outra cena, a sensualidade de Conceição é latente quando o narrador observa que as mangas do roupão branco, que Conceição usava, não estavam abotoados e deixava metade dos braços aos olhos de Nogueira.

      Toda a trama acontece na sala da frente, de uma casa mal assombrada, localizada na Rua do Senado, Rio de Janeiro. Havia uma mesa no centro da sala, algumas cadeiras, cortina na janela, um canapé e um espelho. Nas paredes, dois quadros completavam aquela atmosfera de cumplicidade entre Conceição e Nogueira.

      O encanto daquele momento termina quando o vizinho bate na janela, chamando Nogueira à Missa do Galo. Daquele dia em diante, nunca mais Nogueira conversou ou escreveu para Conceição. Restou-lhe somente a imagem do balanço do corpo de Conceição, enfiando-se pelo corredor, pisando mansinho, e sumindo de sua vida, deixando na lembrança de Nogueira, a incompreensão daquela “conversação” que teve com uma senhora, há muitos anos atrás.

      Em uma época de teorias cientificas e sociais que pretendem dar conta do real – como é o momento do Realismo na literatura ocidental – a voz do genial Machado de Assis ousa abdicar das certezas e afirmar o universo do desconhecido que persiste na alma humana.

Alexandro Gurgel

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