Maioridade Penal e Pena de Morte

Gente!, pelo número de e-mails que tenho recebido pedindo a redução da maioridade penal e a instituição da pena de morte, parece que parte da sociedade brasileira acordou.

Só que, triste sina, acordou do lado errado, confundindo pesadelo com realidade.

Nenhuma mensagem, até agora, me chegou pedindo minha adesão a um amplo movimento social que peça a punição dos governantes que não cumprem as leis, aos juízes que não funcionam e acobertam falcatruas, as autoridades que só prometem e não cumprem, ao expurgo radical dos policiais corruptos e torturadores, a transformação de febens e quejandos que não recuperam ninguém, a responsabilização imediata e julgamento das autoridades irresponsáveis etc.

Nada, nadinha. O povinho dançante, siliconado e admirador de música ruim, literatura fácil, e meu pirão primeiro, quer é varrer tudo pra debaixo do tapete, esperando o milagre sem nunca admitir que a luta de classes no Brasil é simplesmente do povo x governos, como sempre foi desde a corte portuguesa, e nunca nós contra os fodidos e vítimas do sistema.

Enfim, estou certo que entre aqueles que me enviam com tanta frequencia tais mensagens de tal teor, não está nenhum de meus amigos e leitores.

Estes me conhecem e sabem o que eu nunca assinaria embaixo.

Mas, pensando e me entristecendo com essa guerrilha urbana nacional, fiz o que posso: atiro um poema de volta. Se ao menos um defensor das barbarides for atingido já estará bom. Estaremos menos sozinhos na luta pela Vida.

Soneto de morte em vida

Um dia, meninos, eu vi e posso agora contar
Houve um povo acuado, oprimido e covarde
De um país mal acostumado ainda a votar
Sempre pegando o bonde andando e tarde

Incapaz de enfrentar autoridades de frente,
Povo e governantes indolentes e acomodados,
Se viu numa saraivada de balas de repente
Caindo em corpos e almas já bem cagados

Culparam então o mais frágil, o alvo mais visível
Não viram a caneta da elite atrás dos revolveres
Pediram pena de morte e punição a todos menores

Acreditem, conseguiram o impossível:
Os governantes continuaram soltos a viver
Já os menores foram mortos todos, ao nascer.

Ulisses Tavares (*)
26 de novembro de 2003

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(*) Poeta, com diversos livros publicados, entre eles  "Pega Gente", "O Eu entre Nós" (Ed. Pindaíba, da qual foi editor-fundador) e "Caindo na Real" (Ed. Brasiliense), romancista ("Jur e Jedha", "Fliperana na Nossa Cabeça"), também com incursões nas áreas de música popular (como letrista), cinema, teatro, cinema, vídeo e TV, além de publicitário.



DEU NA GLOBO:
PENA DE MORTE PARA OS TORTURADORES?

            Não nos interessa saber as razões de ordem pessoal, religiosa, moral ou financeira que levou o rabino Henri Sobel, intempestivamente, aderir à insana campanha pela redução da idade penal e a pena de morte. A todos nós que levamos a sério a história do país em que vivemos e pretendemos livre, interessa-nos saber os reais motivos dessa histeria momentânea. Aonde, afinal, querem chegar.

            Curiosamente, grande parte dos diretos interessados nesse discurso moralista e radical está ligada a mais cruel violência política e policial de nosso país. A população indefesa e mais direta vítima dessa violência continua sujeita a toda forma de manipulação.

            Ao rabino Sobel, até pouco antes da infeliz declaração, reservado estava um papel na história contemporânea quando, ao lado de Don Paulo Evaristo Arns e o já falecido Reverendo Jaime Wright comandou um ato contra a truculência e justamente contra a violência do Estado que agora incita. Estamos falando do Ato Ecumênico, em memória do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Não consta registro que, ao longo desses anos, o rabino tenha pedido pena de morte aos militares que torturam e mataram Vlado. Ao contrário, todas as ações em favor da preservação da vida e da justiça nos permitiram viver esses momentos tão ricos de liberdade de expressão e política.

            Por outro lado, há menos de dois anos, num caso ainda não esclarecido, um prefeito eleito democraticamente pelo voto da população foi seqüestrado e em pouco mais de 24 horas, morto, segundo consta, por um "menor de idade". Alguém leu em algum lugar alguma linha pedindo a redução da idade penal, em razão dessa execução? Não se pode medir o sofrimento e martírio das vítimas, chamem elas Liana ou Celso Daniel, ou mesmo, num passado não muito remoto, Vladimir Herzog.

            Nesta noite de quinta-feira, dia 27 de novembro, a televisão e o jornalismo brasileiro viveram um momento especial quando, sem retoques e com os cuidados profissionais, usando as legendas "simulação", encenou a saga da família Angel no Brasil (Programa Linha Direta). A emblemática Tevê Globo, acusada de ter sido conivente com o regime militar escancarou a crueldade do Estado autoritário. O jovem Stuart Angel e sua mãe, Zuzu Angel, serviram como modelos numa trajetória sublime, onde colocaram a própria vida a serviço de um mundo melhor. Apesar de emocionados com os fatos relatados e representados nesta noite, não nos é permitido perder a razão e, com isso, pedir pena de morte para os torturadores implacáveis — continuamos, ainda, tendo como meta a justiça, não a morte e a truculência.

            Aos oportunistas de plantão, um esquecimento porque a eles não pertence a história.

Jair Alves (*)

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 (*) Jair Alves é dramaturgo, ator e diretor. Participou como ator dos musicais "Jesus Cristo Superestar", "Morte e Vida Severina", "Missa do Vaqueiro", "Artaud", "Urubu Rei, "Maquiavélico Maquiavel" (também como autor), entre outros. Como autor, foi premiado com os textos "A morte de Deus" e "Interrogação", na década de 70, e, em 2000, com a peça: 7 Dias em 2000", como Melhor Texto de Teatro, no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. É autor do livro "Escuta Zé Dirceu.259".

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