OS GÉNIOS SÃO EXIBICIONISTAS

Na progressão do meu percurso na Net, fui verificando o seguinte: os estetas que nela se movem não procuram amizade, procuram mais precisamente empatia; e elas não são a mesma coisa. Se quisessem amizade, namoro, amor, entrariam nos grupos da especialidade. Alguns até, porventura, talvez lá estejam, porque certamente lhes faz falta, mas não é a generalidade, suponho eu, com alguma convicção pessoal.

O que me leva a esta reflexão, não é uma acto gratuito, uma mera especulação da imaginação; é, antes, a reflexão da terminologia usada que parece desviada da sua significação original.

Aquilo que se diz comummente de 'amigo(a)', não é a palavra certa para quem busca mais do que isso. A empatia é outra coisa, que não é a amizade. É um estado espiritual com o entendimento quase pleno de sentimentos e pensamentos, fluídos numa abstracção adquirida. É uma compreensão quase absoluta, sempre dinâmica e evolutiva, da idiossincrasia do(a) outro(a). uma procura de aferição por um nível que já não pertence à norma generalizada. Começa por ser uma adopção de uma atitude perante a vida, de um estar e um agir diferenciados, que se pautam por valores outros, e que não são os da mediania, muito menos os da mediocridade institucionalizada.

Ser ou não ser amigo, esperar cobrança pela amizade, este não é o modo de enobrecer o sentimento ligeiro, que diz que é, sem saber bem o que é. A relação de amizade e companheirismo pode exigir mais do que o significado comum; pode exigir afinidades de alma, do estado mais ou menos avançado da sua progressão, envolvendo e incluindo avanços nos padrões culturais e estéticos. Na Arte, é recuo continuar a pautar-se pela norma. Ela precisa do arrebatamento, do arroubamento, do encantamento. Ela emociona e extravasa num ambiente presente, que não deseja mais ser o do lugar-comum. Se Samuel Beckett obedecesse aos cânones tradicionais do Teatro do seu tempo, nunca seria o génio e mestre que foi, e ainda é. Faz parte da Arte romper com o passado, subverter, transgredir: ao nível do conteúdo e este arrasta por consequência, pela lógica que engendra, a própria forma. Difícil, talvez mais difícil, será a forma tradicional expressar a ideia de um mundo novo, conquistado diariamente. Difícil, mas possível, porventura, um desafio respeitável e atrevido, também, em simultâneo.

Quando vamos a uma exposição anunciada de boa parte da obra de Pablo Picasso ou Salvador Dali ou Paula Rego, não encontro entre os visitantes gente que os rejeita, mas quem os admira, e, quando muito, um ou dois debutantes que aparecem por curiosidade ou para aprender mais acerca dos artistas. Esses visitantes podiam dar a sua mão uns aos outros, porque comungam da arte do artista. A estes, os autores poderiam, se pudessem, felicitar a visita, porque são procurados por quem quer maravilhar-se ou aperfeiçoar o entendimento da sua arte. O que procura o esteta? Maravilhar pela sua expressão, seja a pictórica ou outra, que inclui naturalmente a formal, desenvolver o seu génio, comungar com todos os outros estetas que afinam pelo diapasão de uma individualidade artística que causa impacto agradável, atraente, criador de consciências mais evoluídas. Todo o resto é romance com ele ou acerca dele.

É no fundo, a própria voz que o artista procura, a sua voz pessoal, individual, o seu jeito de ser diferenciado de toda a colectividade estática, periférica, a busca incessante e em permanente expansão do seu génio, mais ou menos, promissor, profético, apologético. De certo modo, também, ele é um exibicionista que quer maravilhar pela individualidade. E mais digo: a exibição não tem nada de negativo, antes pelo contrário - nestes casos específicos, ela é um modo utilizado pelo corpo (conduzido pela alma), com o propósito de se querer descarnar para ser espírito unicamente.

Daniel Cristal

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