O POETA, O QUE É?

Charles Baudelaire (1821-1867) denegriu a lente cor de rosa do romantismo epidérmico que idealiza os conceitos e as imagens da vida e do mundo. A poesia é o sétimo céu? O amor é sempre revestido de cortesia? O poeta é o anjo da guarda das beatitudes? A mulher bela é igualmente boa? Nada disso, ele diria em bom som, aos outros arautos da modernidade. A poesia é também o feio, o poeta é também o mau: a mãe do poeta preferia ter gerado um rolo de serpentes em vez do aleijão que os outros chamam de poeta. E que ele, Baudelaire (também poeta e dos melhores) compara ao albatroz, enorme ave marinha, aprisionado no convés: “é semelhante ao príncipe da altura/ que busca a tempestade e ri da flecha no ar;/ exilado no chão, em meio à corja impura,/ as asas do gigante impedem-no de andar”. Autocrítica e autoapologia ao mesmo tempo?

Sem os louros da fronte e desprovido de ótica romântica, o poeta passa a ser o castigo da própria mãe, o mau exemplo para os contemporâneos que lamentam sujarem os pés ao seguir suas pegadas. Tudo isso e o inferno também. E no entanto, mesmo assim, desajeitado como um albatroz, desprezível como um filho ingrato e um contemporâneo desajuizado, o poeta não deixa de ser o varão assinalado entre os homens. E é o próprio Baudelaire que o perdoa na última estrofe do poema “Bénediction”, traduzido por Guilherme de Almeida:

“Porque ele só da luz mais pura será feito,
Vinda do santo lar dos raios primitivos,
De que os olhos mortais, no seu fulgor perfeito,
Não são mais do que espelhos tristes, negativos!”

Sobre a figura quase sempre indignada e polêmica, minudente e polivalente, sagaz e intuitiva, complascente e estóica, infeliz e feliz, às vezes inócua e sempre-sempre necessária, do poeta ativo, outros poetas, além do incisivo Baudelaire, fizeram pertinentes revelações, como, por exemplo:

•  Fernando Pessoa:
“O poeta é um fingidor
finge tão constantemente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente”.

•  Cecília Meireles:
“Eu canto porque o instante existe
E minha vida está completa.
Não só alegre nem sou triste.
Sou poeta”.

•  Carlos Drummond de Andrade:
“Altíssimo poeta puro
és tu, meu Murilo Mendes,
que estrelas, no céu escuro,
alçando os braços, acendes”.

Lázaro Barreto

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