UM UÍSQUE PARA CADA POEMA
DYLAN THOMAS UNIU OS EXTREMOS EM SUA OBRA POÉTICA           
                          

        Noventa e quatro anos do nascimento de Dylan Thomas (Swansea - 1914, Nova York - 1953). Uns anos mais que o dobro do que viveu.Príncipe de Gales, mas em versão príncipe das trevas ('a metade deste mundo é do demônio, a outra metade é minha"), proclamava em um de seus poemas.
Alcóolatra, mitômano, erotômano, pulsilânime, morreu surpreendido pelo sucesso repentino depois de décadas de incompreensão, e, em pleno delirium tremens provocado pela overdose de uísque, confundindo talvez o ruído das massas de Manhattan com o rumor da folhagem dos góticos bosques que passou a metade da vida decifrando, embrenhado, em sua Swansea natal.
        Dezoito Poemas foi seu primeiro livro, publicado aos 20 anos. Soturno correlato do sentido circular de sua cosmovisão: a cifra apareceu na última frase que pronunciou, cambaleando, ao mesmo recepcionista do hotel que lhe havia dado "boa noite" apenas 90 minutos antes: "Tomei 18 uísques seguidos, creio que é bom recorde". Proferiu, antes de entrar em coma e, sem recobrar a consciência, morrer cinco dias depois, a 9 de novembro de 1953. Se seus primeiros textos haviam sido unanimemente reprovados pela crítica de Londres como discurso alucinado e ébrio, ininteligível e sem qualquer refinamento, agora se faz o inventário da crítica, para inverter o valo desses epítetos, ao ponto de catapulatar Dylan Thomas ao posto de um dos grandes mestres da poesia inglesa. As mesmas páginas literárias do The Times que, até 1934, tachavam o discurso daquele garoto dos 18 (poemas) de "uma peregrinação sem guia até o hospício, elogiavam agora a viagem para a posteridade do poeta dos 18 (uísques), proclamando, no dia seguinte à sua morte, que "ninguém havia portado de modo mais brilhante a máscara da anarquia para esconder a verdadeira face da traição".
        O certo é que Thomas aprofundara, em sua obcecada vontade de fundir os contrários, a ebriedade até nos oferecer uma inquietante paisagem da contemporaneidade, ao mesmo tempo apocalíptica e panteísta.Apenas uma centena de poemas bastaram para situar Dylan Thomas como herdeiro natural desta exótica tradição inglesa de poetas secretos, que, protegidos em sua insularidade e nas forças irracionais da Idade Média, refratam as luzes que lhe chegam da estética continental ou as filtram de um modo transversal, por onde menos se espera.
        No ano anterior a sua morte, em 1952, apareciam em Londres seus Collected poems, sua poesia completa, que o fez merecedor de um dos prêmios máximos da literatura, o William Foyle, e que significa sua consagração tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, onde foi convidado para uma série de recitais poéticos e conferências. Significava expor "a parte histriônica daquele ser patético e doce" como o define a própria viúva, Caitlin Thomas, em seu livro de memórias sobre a convivência com o poeta.

Jovino Machado

« Volta