Rivalidade candanga

Vi o Dimba no aeroporto de sampa. Ele voltava com a delegação do Brasiliense após um empate pela Copa do Brasil.

Aproximei-me e estendi a mão: – Sou teu fan, cara. – Ele pareceu considerar se apertaria ou não minha mão, eu estava com a camisa do Gama, rival no campeonato local. – Você é um craque. Era melhor quando jogava no Gamão. – Ele não gostou mas já estava com a mão na minha. Eu a segurei. – Mas, vê lá hein, nada de fazer gol no Periquito do Cerrado.

Ele sorriu com seus dentes de cavalo. Um sorriso amarelo, como a camisa do Brasiliense. Eu aceitava que profissionais da bola jogassem no clube criado pelo Luis Estevão, o senador cassado, afinal eles precisavam sobreviver. Porém nunca entendi como os candangos torciam para o time deste corrupto, que claramente lavava dinheiro nas transações entre atletas.

O time do ex-senador era um bibelô de milionário empreiteiro, servia para melhorar sua imagem, aproximava-o do povo e certamente se candidataria quando sua punição eleitoral expirasse. A ignorância das massas. Nesse momento, o brinquedo perderia a razão e possivelmente seria extinto. Ou abandonado. Os torcedores do Brasiliense ficariam órfãos de um clube que nunca foi real, apenas um trampolim político.

Sempre me irritei em saber que pessoas da cidade torciam por times de São Paulo ou Rio de Janeiro pois a televisão os educou como seres não dotados de opinião. Os jogos transmitidos pela tv criaram torcidas não só em Brasília mas em todo o Brasil. Grupos de imbecis que vangloriam o estrangeiro ao invés de agraciar seu conterrâneo. Devem gostar também de beisebol e rúgbi.

Fui assistir Gama x Coritiba pela Segundona. Cheguei atrasado. O Mané Garrincha estava tão vazio que os cambistas vendiam a arquibancada coberta no mesmo preço da descoberta.
– Pago sete – falei.
– Porra, mas custa quinze! - reclamou o cambista.
– Então não pago nada.
Virei-me para o próximo. Todos queriam diminuir o prejuízo.
– Tudo bem, sete.
Assim que coloquei o pé direito no estádio o Nunes fez um gol.
– Ê Ê Ê! – Minha vibração correu pelo vazio. No banco de reservas havia mais gente que na arquibancada. E metade era de torcedores do coxa.

Jogo ruim, ficou neste placar. Voltei para casa satisfeito com a vitória magra. No caminho vi o Dimba dirigindo um carro. Buzinei e acenei, o cara
era um craque. Ele buzinou de volta. Não sei se por reconhecimento ou reclamação.

Na terça seguinte o meu querido Gamão jogou contra o Brasiliense. Não fui assistir pois era o dia do meu próprio jogo. Sou o centroavante. Ganhamos de 3 a 1. O Gama empatou em zero a zero.

Ontem encontrei o Dimba no Extra. Fazíamos o mercado do mês. No meu carrinho legumes e cerveja. No dele refrigerantes e crianças. Três. O cara de cavalo era bom reprodutor. – Oi, Dimba. Estendi a mão. Ele pareceu considerar se apertaria ou não. Eu vestia a camisa do Gama. – Você não fez gol contra o Gama por causa do meu pedido no aeroporto de São Paulo? – perguntei francamente. Sei que minha aparência não é desconsiderável. Tenho 1,82 metros, 88 kilos e uma cicatriz na face do rosto.

Seus filhos me olhavam assustados. Ele me reconheceu. E sorriu. Não um sorriso amarelo como a camisa do Brasiliense, mostrou seus grandes dentes brancos que lhe dão aparência eqüina. E bufou. É claro que ele faria gol no meu Gamão se tivesse chance. Era um craque. E profissional. Mas não deve ter tido chance. – Lembre-se, hein?! Nada de gol contra o Gama. – Despedi-me.

Eu sorria. Sabia que o melhor craque do Jacaré se lembraria de mim no próximo clássico entre os maiores times do DF. E, talvez, tremesse na hora do gol. Ou, duvido, o evitasse de propósito. Até, quem sabe, tivesse tanta gana de marcar que se precipitasse. Qualquer coisa que o atrapalhasse seria válido. Minha contribuição como torcedor.

Giovani Iemini

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