GARE

Faz tanto tempo que se está esperando — o trem que não vem, o trem de Belém  — que as bagagens alheias, amontoadas no banco, cheiram-me a poeira dos séculos: devem estar aqui, embolorando, o caduceu de Mercúrio, a cabeleira de Absalão, uma peça íntima de Cleópatra, um báculo de bispo, uma tabaqueira de Luiz XV, um olho de vidro, uma fivela, uma bolsa de água quente, um lenço com um nó, um... Pestanejo. Sinto-me tão infeliz... Para que fui me meter nesse triste inventário, meu Deus? E, a cada suspiro que dou, o meu  anjo-da-guarda perde mais uma peninha da asa. 

Mário Quintana
Do livro: "Sapato Florido", Editora da Universidade do RS, 1994, POA

 
 

« Voltar