O MEU VOTO

          Dizem que a maioria dos nossos jornalistas não votará em Luís Inácio Lula da Silva nas próximas eleições. Não é o meu caso. Continuo achando Lulinha Paz e Amor o nosso melhor produto nesse mercadão desvalorizado. Percebo que tivemos muitos avanços no seu governo: milhões de famílias são atendidas por programas sociais, o país bate recordes de exportações, a agricultura familiar está tendo acesso ao crédito, o país voltou ao ranking da economia mundial em 11º lugar, a polícia federal atua sem amarras e desbarata uma quadrilha atrás da outra, como nunca em toda a sua história. Óbvio, meu caro leitor, que fiquei decepcionado com os escândalos. A corrupção é um vírus que deve ser combatido com rigor. No entanto, desconfio dos santos milagreiros que pretendem ocupar o lugar do operário bem sucedido. Tiro o chapéu para Cristovam Buarque. O professor é fera, bem intencionado e sem nenhuma chance de vencer. A moça do contra, Heloísa Helena, é de um fanatismo ultrapassado. Admiro seu caráter e carisma, embora lembre profetas alucinados, tipo Antonio Conselheiro. Ficaria perfeita numa obra alegórica de Glauber Rocha. Na vida real não seguraria a barra dessa república cabocla nem por um mês. Alckmin, da turma da fascista organização católica TFP (Tradição, Família e Propriedade), da Opus Dei, causa-me arrepios. Nem venha com essa cara de bom moço, pois já vi esse filme.

          O problema insolúvel é que o poder escapou das mãos do governo há muitas décadas e pertence exclusivamente ao FMI, aos bancos, corporações multinacionais nos campos da indústria e dos investimentos. E o poder está também nas mãos muitas vezes sórdidas da imprensa, da televisão, do rádio. Já se foi a época em que o presidente era o chefe da nação. Mesmo assim, é preciso continuar o processo histórico, superando a crise ética e moral da política tão em evidência atualmente graças à liberdade de expressão. Por incrível que pareça, o Brasil continua sua história, e a vontade de crescer é cada vez mais urgente, numa sede incansável de harmonia, de dignidade e de justiça. A vitória de Lula em 2002 foi admirada internacionalmente, uma grande novidade que verteu tintas, atraiu sábios, produziu livros e seminários. Ele não se tornou o salvador da pátria, como muita gente esperava, pois tal personagem não existe. Errou, sim, e feio, mas acertou muitas vezes, abrindo caminhos para uma vida menos sofrida. Continuo acreditando que merece continuar o seu governo popular por mais quatro anos. É a nossa opção menos ingrata. Não me deixarei servir de instrumento de velhas raposas como Antonio Carlos Magalhães, Bornhausen, Maluf, Garotinho, Serra e tantos outros profissionais politiqueiros que enriqueceram com os cargos públicos. Conheço perfeitamente o currículo de cada um deles. São homens que perseguem um único ideal: a manutenção do status quo a qualquer custo! E a melhor maneira de ser rico, cada vez mais rico, é não permitir que o eleitor pense. Ou seja, nada de educação, nada de artistas, nada de imprensa ética, nada de política transparente. Também não esqueci dos terríveis oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso: milhares de micros e pequenas empresas fechando suas portas, o FMI mandando e desmandando, CPIs abortadas a custa de muita grana, empresas públicas privatizadas sem que o produto da venda tenha sido utilizado em favor do país etc. Eu me lembro muito bem.

          Como sabe quem me lê, interesso-me principalmente por arte e cultura. Acho que um governo que tem um pensamento artístico é no mínimo civilizado. Investir em arte produz desenvolvimento e beleza. A repercussão de um bom filme ou de um grande intérprete além fronteiras (“Central do Brasil” ou Tom Jobim, por exemplo) suaviza as mazelas de um país. O talentoso Gilberto Gil, como Ministro da Cultura, foi uma benção. Vibrei muito com a escolha dele. Lula, em vez de escolher um acadêmico, escolheu um artista – e um artista negro! Sendo assim, quando Caetano Veloso abre a boca criticando a esquerda, na sua indomável agonia leonina de chamar a atenção para o seu próprio umbigo, parece-me suspeito, algo despeitado. Nunca houve antes – mesmo nos bons tempos de Juscelino Kubitschek - a preocupação de uma política cultural que formasse talentos e incentivasse a arte menos convencional, que é a que fica. Sei que já se foi a era em que os reis protegiam em sua corte nomes como Moliére, Goya, Mozart ou dezenas de assessores culturais, numa verdadeira fábrica de idéias. Sei que a maioria dos políticos só se interessa por administradores artísticos que não abram a boca, não inovem e concordem com o desvio de verba pública (o escândalo em torno da Fundação José Augusto, no Rio Grande Norte, prova tal evidência). É tudo muito estranho. São seres que não estão preocupadas com outros valores que não os do bem-estar material. Em nenhum momento passa pela cabeça deles a real alternativa cultural. É para lembrar aquela velha frase do sanguinário ditador General Franco: “Quando ouço falar em cultura, empunho o meu revólver”. A verdade é que antes de Lula vivíamos num país mergulhado nas trevas, como a Europa em plena Idade Média , depois do colapso do Império Romano. Tudo girava em torno de um individualismo doentio de olho nas próximas eleições. Uma burrice ainda presente em muitos partidos (inclusive entre certos petistas).

          Eu confesso o meu desencanto ideológico, e também o meu distanciamento político. Nem por isso deixarei de escrever sobre minhas impressões, mesmo que sejam incômodas, mesmo que não sejam úteis ou indispensáveis. Nesses tempos de eleições é uma boa ocasião para o intelectual, o escritor ou o jornalista abrir o coração, escrever textos com clareza e sem afetações, pois só aí os poderosos bufarão de raiva e, desgostosos, anunciarão aos quatro ventos que a cultura é realmente importante. E assim caminha a humanidade. O que necessitamos é usar a mente, desvendar calúnias, evitar armadilhas, ler nas entrelinhas, viver no mundo das idéias, discutir o aspecto existencial da vida. Chega de conversinhas triviais, tolas. Afinal, somos fantoches manipulados por poderosos ou homens de idéias? Eu ainda acredito em Lula, meu caro leitor, acho que ele merece uma nova chance. Portanto, dia 01 de outubro votarei nele. De peito aberto, cabeça erguida e esperança renovada, sonhando com um Brasil melhor, mais equânime.

Antonio Júnior

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