JOAN MIRÓ

(Fragmentos) ***

Seria possível outra forma de composição? Seria possível devolver à superfície aquele sentido antigo que seu aprofundamento numa terceira dimensão destruiu completamente? A pintura de Miró me parece responder afirmativamente a esta pergunta. Ela me parece, analisada objetivamente em seus resultados e em seu desenvolvimento, obedecer ao desejo obscuro de fazer voltar à superfície seu antigo papel: o de ser receptáculo do dinâmico. Ela me parece uma tendência para libertar o ritmo do equilíbrio que aprisiona toda a pintura criada com o Renascimento.

Dito de outra maneira: Miro parte de uma atitude psicológica. E da mesma maneira como a ela se deve atribuir as causas de sua invenção – e isso será o objeto da segunda parte deste ensaio – é a ela que se deve atribuir o desenvolvimento conseqüente que se observou na evolução do estilo de Miro. Na qual, apesar daqueles recuos aparentes e da coexistência de maneiras dentro dos quadros de uma mesma época, existe como que uma luta oculta, mas constante, entre a velha maneira de compor e certos elementos perturbadores que vão correndo internamente. Luta que se resolve pela vitória posterior desses elementos, que acabam por se tornar predominantes nas obras que o artista pintou nestes últimos anos.

João Cabral de Melo Neto

Do livro: Obras completas, volume único, Nova Aguilar, 1994, RJ.

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*** 1º e último parágrafos da 1ª parte do ensaio "Joan Miró".

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