Lendo Machado

Neste ano de comemorações em torno do nome de Machado de Assis, todo mundo já escreveu sobre ele. Todo mundo, não: eu não escrevi. Sou leitora de Machado desde a adolescência, para quem nunca foi obrigação e sim prazer ler o Dom Casmurro como tarefa de colégio. E a coisa mais curiosa deste espetacular romance é que eu já o devo ter lido mais de dez vezes ao longo da minha vida, mas cada vez que o leio, ele sempre me parece novo, e parece que o estou lendo pela primeira vez.

Há um ano, mais ou menos, empreendi de novo a sua leitura. Depois de vinte páginas, fiquei aterrada pensando que o Alzheimer já havia derretido as minhas conexões cerebrais, que Deus me livre! Era como se eu nunca tivesse lido aquele texto! E saí me deliciando com a leitura, me irritando às vezes com Bentinho, simpatizando e depois odiando Capitu, e depois voltando para o capítulo inicial onde o autor relata como escolheu o título do livro, e no segundo capítulo onde discorre sobre a escolha do tema; uma coisa tão bem feitinha que não se sabe onde realmente começa o romance.

Ao longo de todo o Dom Casmurro, Machado vai dando aulas de estilo. Lendo-o com atenção, vamos aprendendo a empregar bem as palavras em toda a sua rica sutileza, como no trecho que abre o capítulo IV: “José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar as frases.” Imediatamente me lembrei de muito gente que conheço que, ao escrever, não havendo idéias, contenta-se em prolongar as frases, emendando uma oração subordinada na outra até que o texto fica complexo, o período longo, o entendimento difícil, mascarando o pensamento rarefeito que o alimenta (a ele, o texto) e fazendo os incultos dizerem: “Doutor Fulano escreve muito bem! A gente não entende quase nada!”

O curioso é que, para escrever isto, fui à estante procurar o meu Dom Casmurro, que deve ser o meu quinto ou sexto exemplar, tendo sido os outros subtraídos, perdidos ou emprestados, nessa vida aventurosa que determinados livros levam, passando de mão em mão. Não o encontrei. Devo ter nas estantes uns 1.500 livros; e às vezes fica difícil encontrar algo. Não encontrando o meu volume, para a citação recorri a um CD onde tenho praticamente todo o cânone ocidental.

O melhor de tudo é que, dentro deste CD, que eu não olhava há tempos, descobri um livro que já procurei desesperadamente sem encontrar: a “Prosopopéia”, de Bento Teixeira, publicada em 1601. Bento Teixeira é considerado por alguns o primeiro poeta do Brasil, mas isso é história que vou ficar devendo ao meu caro leitor.

Clotilde Tavares

Texto publicado originariamente no Jornal 'A União, João Pessoa/PB, em 17 de setembro de 2008
Enviado pela autora

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