OS QUE INCOMODAM QUE MUDEM

Meu estado tem uma lei que proíbe fumar em praças de alimentação de shoppings centers. Minha cidade tem uma lei que proíbe fumar em qualquer dependência de shoppings centers. A primeira não decorre do fato de fumaça e cheiro de fumo prejudicarem o aroma e o paladar; também não advém da inadequação de fumar em ambientes fechados e dotados de ar condicionado. A lei estadual foi estabelecida por razões de segurança, em razão de graves sinistros ocorridos anteriormente à sua promulgação! É semelhante, por exemplo, à que proíbe fumar em postos de abastecimento de combustível. Já a lei municipal tem foco ambiental e de cidadania!

Num país civilizado elas seriam desnecessárias, pois os cidadãos fumantes, minoria, teriam a consciência de evitar que seu vício afetasse os não-fumantes, maioria, inclusive crianças. Assim, exercitariam seu autocontrole nesse tipo de ambiente, e deixariam para saciar sua dependência de nicotina em locais externos. Mas, pouquíssimos fumantes respeitam essas leis. A maioria prefere ignorar as advertências, esconder o cigarro na parte interna da mão, ou tragar a fumaça, na tentativa de dissimular o ato; outros, nem isso fazem...

Você está observando uma vitrine, quando um deles se posta ao seu lado: a fumaça e o cheiro incomodam e você tenta desviá-los, com um abano de mão... A reação da maioria dos fumantes é, normalmente, de irritação: “Que saco!”. Parece que você é que está sendo inconveniente!

Os adeptos do fumo tinham, no entanto, uma “desculpa” para burlar as leis: praticamente todos os corredores de shoppings dispõem de áreas dotadas de bancos, jardineiras e lixeiras, estas últimas, normalmente, dotadas de cinzeiros na parte superior. Para eles valia a “lógica” contraditória do vício: “Se tem cinzeiro é porque pode fumar!”. Isto transformou essas áreas de descanso em redutos mal-cheirosos e incômodos, menos para os fumantes, cujo olfato já está, normalmente, afetado pelo vício. Ironicamente, placas com os dizeres: “Proibido fumar”, também foram colocadas nesses locais! Uns disseram: “Que saco!”; outros passaram a fumar debaixo delas, para alegarem que não as tinham visto!

A coisa, no entanto, começou a assumir ares grotescos, além de poluídos, quando alguns shoppings passaram a exibir enormes faixas dando conta de que haviam recebido certificados de excelência de qualidade do ar em suas dependências! Quais foram os parâmetros utilizados nessa avaliação? Quaisquer que fossem, não eram sustentáveis!

Coincidência ou não, alguns meses depois os cinzeiros foram transformados em mini-floreiras, ou preenchidos com arranjos de flores artificiais. A maioria dos fumantes, no entanto, não entendeu a nova mensagem. Provavelmente pensaram: “Que saco! Cinzeiro não é lugar para colocar isso!”; e continuaram e depositar, inconformados, as pontas de cigarro no espaço remanescente, no chão ou, pior, dentro da lixeira, com risco de incêndio! Talvez alguns tenham, até, protestado às administrações, pela supressão dos dispositivos e risco!

E assim seguiram: incomodando, sem querer serem incomodados...

Outro dia, eu, minha esposa e meu filho, sentados num desses bancos de corredor de shopping, saboreávamos sorvetes distraidamente, sem incomodar ninguém, quando um odor desagradável prejudicou aquele prazer... Ao identificar a origem do mau cheiro: Um indivíduo que passara fumando. Comentamos o fato entre nós, e, subitamente, uma mulher, que estava sentada ao lado, resmungou: “Que saco!”, e foi sentar mais adiante. Também estava fumando...

Pode ser que os administradores tenham medo de perder os clientes fumantes, caso passem a “incomodá-los”, mas se todos os estabelecimentos o fizerem, educada, mas ostensivamente, eles não terão opção, com benefício para todos, inclusive eles próprios.

Uma grande rede nacional de rádio lançou, recentemente, uma campanha para que o cidadão se levante contra todas as coisas que incomodam: celular, no cinema; combustível adulterado, jogar lixo no chão... Faltou mencionar: fumar em local proibido!

Civilidade é uma via de duas mãos, ou seja: quem não quer ser incomodado deve aprender a não incomodar, ou seja, mudar seus hábitos!

Seria melhor que não fossem necessárias leis para isso; mas, se existem, que sejam cumpridas!

Adilson Luiz Gonçalves

« Voltar