DEPENDÊNCIA CULTURAL E ESTUDOS LITERÁRIOS
Fragmentos (Cap. 15)

Por que nos mantemos dependentes? Pare efeito de raciocínio, é conveniente distinguer-se entre elementos de ordem econômica e de ordem interna ao próprio sistema cultural. Em nosso caso, [brasileiro] os primeiros são imediatamente localizáveis. Dizem respeito aos maus salários tradicionalmente pagos a professores e pesquisadores, à insuficiência de verbas para instalações destinadas ao ensino e à pesquisa, para o aparelhamento dos laboratórios, para a atualização das bibliotecas e para as publicações especializadas. Mas a expplicação dessas deficiências se esgota em motivos de ordem econômica? Estou certo que não. Convém a respeito recordar com Antonio Candido que, entre nós, o intelectual ganhou reconhecimento social por sua participação em acontecimentos cívicos, como o processo da Independência, a abolição da escravatura e a Guerra do Paraguai. "O escritor pôde abresentar-se ao leitor como militante inspirado da idéia nacional" (Antonio Cândido). Subordinado a um reconhecimento explicitamente político, o intelectual, na sociedade brasileira, continua a exercer uma atividade ornamental. Ele se legitima por seus efeitos paralelos: o testemunho de sua dignidade em sofrer perseguições em nossos constantes regimes fortes, em não se tornar conivente com os poderosos do dia, por sua participação em partidos políticos progressistas, por seu empenho em campanhas populares. Tudo isto é por certo meritório. Mas o outro lado da questão é que, no concernente à sua atividade específica, ele não tem nenhum respaldo. Se Chomsky fosse brasileiro, seu reconhecimento derivaria de sua atividade política e só secundariamente de seu trabalho na lingüística geracional.

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Ao ser internalizada, a situação de dependência faz com que nos vejamos como seguidores de alguma linha de pensamento já produzida, laminada e exportada por algum centro metropolitano legitimado. Por que assim sucede? Primeiro, por articulação com outro valor ainda não enunciado: ao contrário do que se costuma dizer, nossa tradição nada tem de especulativa. A nossa é bastante pragmática. (...) Essa permanência do pragmatismo barroco se articula com outro elemento que, de procedência puramente social, não poderia ser chamado de valor. Refiro-me à questão da legitimidade, do reconhecimento social de nossas instituições intelectuais. (...) Será acidental que o caminho mais direto de reconhecimento do intelectual brasileiro passe por alguma forma de batismo por uma instituição metropolitana? Esse batismo pode ser feito por diversos meios: ter sido seu doutorado conquistado em universidade de prestígio, pertencer ou ter pertencido a seus quadros, ser convidado para participar de simpósios internacionais, ter trabalhos publicados em língua metropolitana, etc. (...) Constitui-se assim um cpirculo vicioso: nossas instituições intelectuais são a priori desprestigiadas porque nos habituamos a vê-las como merassucursais do que só lá fora se legitima. Por outro lado, só assim conseguimos vê-las.

(...)

O círculo vicioso a que aludimos é formado, portanto, de um lado, pela desqualificação prévia das instituições nacionais específicas; de outro, pelo trabalho conjunto de autoridades e membros dessas instituições em amoldá-las à condição de estações retransmissoras do já estabelecido. (...) Na maioria dos casos, essas instituições intelectuais permanecem capazes de legitimar apenas o já internacionalmente legitimado. (...) O resultado prático é que assim as instituições intelectuais de que dispomos se convertem em a estufa precisa para a perpetuidade da dependência cultural.

Luiz Costa Lima

Do livro: Contraponto Tropical, cap. 15, Editora Rocco, 1991, RJ

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