Gif da crucificação © Urhacy Faustino

 

 

 

 

 

 

 

SEMANA SANTA

O dia da Paixão, antigamente
Fins da década de 40, início da de 50, no dia sagrado, o exercício comportado do silêncio nas vozes e nos gestos. Rádios emitindo sons só de músicas clássicas, locutores garganteando sem emoções. Às crianças se cobrava a possibilidade de menos algazarras; à mesa, menos alimentos, jejum e abstinência com ameaças de pecado... Festas e comemorações adiadas. Não se varriam as casas. Parece, não tenho certeza, que os homens até não se barbeavam. Nos altares das igrejas, santos escondidos sob panos-vestes roxas. No ar, uma espécie de silêncio-tristeza, a alegria era resguardada para as comemorações da Páscoa. Famílias se orgulhando com seus meninos-apóstolos na cerimônia do lava-pés. Imperdível era a “procissão do encontro”, lá em Cachoeiro de Itapemirim: sobre o andor, a imagem do Nosso Senhor dos Passos saindo da então Matriz (rua Dom Fernando – lado norte) e a de Nossa Senhora das Dores, da igreja de Santo Antonio (no Guandu – lado Sul), e se encontrando na praça Jerônimo Monteiro (centro da cidade), onde empolgados oradores sacros se revezavam no palanque-púlpito. Nos cinemas da cidade, Central e Santo Antonio, as mesmíssimas velhas cópias da “Vida de Cristo”...

Cristo dos teólogos, Cristo dos ateus
Qual dos dois melhor para retratar-nos o Cristo?
Em 1956, a Cia.Editora Nacional, coleção Biblioteca do Espírito Moderno, lançou História de Cristo, do italiano Giovanni Papini, tradução do Pe. Lindolfo Esteves, e com o “nihil obstat” de praxe. Cativou-me pelos esclarecimentos prestados pelo Autor, leigo, ateu-convertido, já na sua Introdução: um livro sem as melosidades da sacristia e sem o temível estardalhaço da pretensa literatura científica, foge às características das “vidas de Jesus” destinadas aos devotos e que exalam não sei quê de rançoso que esmaga, desde as primeiras páginas, o leitor habituado a pratos mais delicados e substanciais; com um cheiro de vela apagada, incenso resfriado a mau azeite, que corta a respiração...
Com 350 páginas, suaves de se ler, ao feitio de crônicas, alternando momentos líricos e realistas, sempre calcados nos textos dos quatro evangelhos e, com prudência , sobre os considerados apócrifos. E confessa, em determinado momento, sua transição mística pessoal de ex-ateu, observando: quis evitar o cipoal da erudição sem deter-se nos mistérios da teologia, aproximar-se do Cristo com um coração simples e amoroso; que Jesus tem sido mais amado justamente pelos que o detestavam. Às vezes, o ódio, na sua inconsciência, é um amor imperfeito: em todo o caso é melhor noviciado de amor que a indiferença.
Por outro lado, no cinema, “O Evangelho segundo São Mateus”, filmado, com atores desconhecidos, pelo também italiano Píer Paolo Passolini, conhecido como ateu, “comunista” e dono de comportamento existencial independente, nos trouxe a imagem de um Cristo realista e consciente líder, sem abdicar dos seus momentos divinos. Impressionou-me a cena da sua ira extravasada sobre os vendilhões do templo. Bem, por preconceito ou não, ou mesmo razões de mercado, o filme não é lembrado para exibição na Semana Santa, tanto nos cinemas quanto nas tevês. Duas vezes escrevi para duas emissoras a respeito, sem retorno. “Santa” ingenuidade minha!
Em conclusão, enquanto os teólogos se encontram, em princípio, com raras exceções, dentro de um “sistema dogmático”, os ex-ateus, por seu trabalhado e antigo espírito crítico, podem nos moldar um Cristo “sem as melosidades da sacristia.”


A terceira e moderna via

Vejamos, enfim, o que pode fazer um livro pelo bem da comunidade, seja cristã ou não, como o do psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e escritor Augusto Jorge Cury, ao participar da coleção “Análise da inteligência de Cristo”, com a obra O Mestre do Amor. Numa impressionante manobra didática, pinça as emoções possivelmente vividas pelo Cristo nos seus últimos passos e momentos, as reações criadas por sua inteligência para resolver seus estados de angústia e trazendo as soluções para aplicação no dia-a-dia do leitor em busca da sobrevivência existencial. Um livro que, pelo título, poderia se acreditar “carola”, se transforma milagrosamente num manancial de aconselhamentos de auto-ajuda, extraídos também da vivência profissional do Autor. Algumas passagens: “Bilhões de pessoas admiram profundamente Jesus Cristo, mesmo os budistas e os islamitas. Contudo as pessoas querem um Cristo nos céus, mas não percebem que ele amava ser reconhecido como filho do homem.” (62); “Precisamos honrar solenemente o espetáculo da vida”(65); “Só o amor pode fazer com que tenhamos atos inesquecíveis” (135); “Nenhum ser humano passa pela vida sem negar ou afirmar a existência de Deus. Ou ele o nega ou ele o procura, ninguém passa incólume”.
Boa Páscoa!

Milton Ximenes Lima

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