O TÉCNICO DE TELEVISÃO
(Reminiscências VII)

Com uma lâmpada forte na testa e uma maleta de mil e uma utilidades, o técnico de televisão era uma figura quase mítica no imaginário infantil.

Quando digo televisão, me refiro àquele trambolho pesado, de madeira e com rodinhas, ou seja, um distinto móvel da sala. A lá de casa era uma telefunken, em preto e branco, com uma tela de vidro na frente da tela de TV propriamente dita. Não havia controle remoto e os poucos canais eram trocados por uma rodela chamada seletor, que fazia um barulhão quando mudava os canais no espaço físico denominado “do 2 ao 11” (pelo menos no final da década de 70, no Rio de Janeiro): 2 (TVE), 4 (Globo), 6 (Tupi), 7 (Bandeirantes), 11 (TVS – a TV Studios, origem do atual SBT). Curioso é que muita gente não nomeava os canais, apenas dizia “bota no 4”, “muda pro 7, que tem um programa agora”, ou então “coloca no canal do Sílvio”. Havia botões de horizontal e vertical, que “limpavam” a imagem de interferências, uma faixas horizontais ou verticais que sempre apareciam, e quando o seletor se soltava, precisávamos recorrer a um bom alicate para mudar os canais.

Quando a TV enguiçava, a gente recebia a notícia, às vezes depois de um tempo excessivamente longo, que o técnico vinha para consertar. Geralmente era no sábado de manhã e a tarefa se constituía numa complexa cirurgia. O sujeito abria a tampa de trás, colocava a indefectível lâmpada na testa e espalhava as peças pelo chão. Levava horas para o conserto terminar, isso quando não era preciso comprar alguma peça na loja da esquina. Quem olha as TVs de plasma hoje, de telas finíssimas, não tem idéia das milhares de peças que se escondiam na parte de trás do aparelho. O que mais me impressionava era que quando o técnico fechava a tampa e terminava o trabalho, não sobrava nenhuma peça no chão.

Hoje, dependendo de quantas antenas o sujeito tiver em casa, ele pode acessar qualquer canal do mundo, desde gigantescas redes de comunicação até emissoras regionais, que só "pegam" numa cidade. Isso sem contar a transmissão pela internet. A figura clássica de Homer Simpson sentado diante da TV num confortável sofá, um saco de batatas fritas e uma lata de coca-cola ao lado e o controle remoto com mais de cem canais à disposição reflete bem a situação de muitos telespectadores modernos. Pelo menos quando não havia o controle remoto, o sujeito tinha duas opções: ou se levantava toda hora para trocar de canal, o que, pelo menos, o fazia perder algumas calorias, ou se tornava mais fiel a alguma emissora, o que era o caso mais freqüente.

Quando o telespectador desligava o aparelho, surgia um feixe de luz horizontal que ia diminuindo até apagar. Nada de programar a televisão para desligar. O que acontecia muitas vezes era ele dormir no sofá e acordar no meio da noite com a tela cheia de chuviscos ou de manhã, na hora do telecurso. Também podia acordar na hora exata do término da programação, que, se fosse na Globo (ou no 4), começava com a inevitável frase do “Logo estaremos junto novamente”, o que não deixava de ser um pedido de fidelidade eterna.

E que hoje, com tantos canais à disposição e aparelhos de TV que se renovam eternamente, é praticamente impossível.

André Luís Mansur

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