INSPIRAÇÃO
    Obra em 3 volumes
    Senado Federal - 1989, DF
     

    MANHÃ DE FUZILAMENTO

    Névoa nos morros. Manhã.
    Vento frio no cerrado.
    Tragédia nos céus do Irã:
    Anoush vai ser fuzilado.

    Anoush combateu Pahlevi,
    O tirano. A um poste atado
    — Que a terra lhe seja leve —
    Anoush vai ser fuzilado.

    Anoush quis ver o seu povo
    Sem grilhões, não subjugado.
    O vento sopra de novo:
    Anoush vai ser fuzilado.

    Anoush encara sem venda
    O aço dos fuzis gelado
    Mostrando-lhe a boca horrenda:
    Anoush vai ser fuzilado.

    Anoush tentou combater
    A fome no Irã nevoado.
    Agora Aoush vai morrer:
    Anoush vai ser fuzilado.

    Uma estrela brilha ainda
    Lá no infinito escampado.
    "Preparar!" Como ela é linda!
    Anoush vai ser fuzilado.

    A luz da estrela Anoush viu
    O Irã, depois, libertado.
    Anoush, sereno, sorriu:
    Anoush vai ser fuzilado.

    "Fogo!" A chama rubra, é o Fim.
    O corpo de Anoush tombado.
    Sons de rufos. Um clarim.
    Anoush já foi fuzilado.
     
     
     

              VERSOS PARA INTERESSAR BURGUÊS

              Sei onde se ganha mais!
              Quem mais tem vou te dizer
              O lucro a gente é quem faz
              Pede prêle remeter

              Mercado de capitais!
              Paulo investiu pra valer
              Do Banco Inglês quero avais
               Ô cartório pra render!

              Quantos dólares no Banco
              Façam fila! Jogo franco!
              Vou aos States a negócio:

              Ferra mesmo! Não tem pena!
              Operação de safena
              O danado do meu sócio!


     
     
     

    POESIA DA ENCHENTE

    "— Tu tá veno, cuirão? Tu tá veno, José?
    Eu num disse qui a inchente esse ano era braba?
    Cadê tua juta agora? Eu quero vê cumo é
    Qui vai-se arisurvê! Suco! Água qui nunca acaba!"

    E o rio vai galgando as carnes do barranco
    Cobrindo os capinzais, os troncos assediando,
    Seguindo, mata a dentro, em desmedido arranco,
    Aos lagos e igapós as águas germinando...

    Estão mortos jutais, as plantações tombadas,
    As casas se-mostrando, à flor do lençol tétrico,
    E hercúleo e caudaloso, o rio, em rabanadas,
    Avança, vale a dentro, o corpo quilométrico...

    O Amazonas cresceu, nestes meses pioneiros
    E ainda mais crescerá, nos meses que hão de vir.
    Nesse anseio de criar que estremece os banzeiros
    O gigante brutal somente faz destruir...

    O rio é largo e belo, é como um canto errante
    Da natureza, entoado em plena tempestade.
    O ventre colossal vibra, enfunado, arfante
    E rola os vagalhões com lenta majestade...

    Na superfície, ao sol, balseiros, velhos troncos,
    Em lenta procissão vão desmandando o mar.
    O vento é frio, e é forte. As vagas soltam roncos
    E espumam, são cristais se esfacelando no ar...

    A selva assite a marcha eterna da corrente
    E é bela, é moça, é verde, é viva e misteriosa...
    A coma é seiva e luz, mas lôbrego e silente
    É o fundo coração dessa floresta umbrosa...

    As aves vêm valsar nas margens, de beleza
    Criando, contra o céu, fulgurações ideais,
    E segue, assim, vibrando, a enorme correnteza
    Entoando um cantochão entre sons festivais...

    O crepúsculo é um sonho, é uma paisagem linda
    De outro e coral e azul e espelhos de cristal
    A alma se enleva e ajoelha, e esse enlevo não finda
    Quando nos céus se espalha a noite equatorial...
     
     

    O vento sopra, e soa a inúbia dos rebojos,
    A água sinfonizando em gorgolões sombrios...
    O pensamento sobe, em místicos arrojos
    E mergulha depois na esteira dos navios...

    Mas... o monstro subiu trinta metros ao todo,
    E as matas invadiu, as várzeas submergindo.
    Terra firme é bem pouca. O gado está no lodo
    Ou triste, a se imprensar nas marombas, mugindo...

    E o caboclo? O mongol calado da restinga?
    Onde está o oriental do "jaticá", do arpão?
    Campeão dos matupás, batalhador da aninga
    Rei completo do anzol, da rede e do facão?

    Onde está o grande herói que na proa da sua
    "Montaria" partiu pra pescar jacaré?
    Onde o veste-te-trapo, o João-ninguém que a lua
    E ao sol trabalha e luta, alentado a "chibé"?

    Está no pastoreio ao gado? Na caçada?
    Cortando canarana ou lançando o espinhel?
    Virando tartaruga à praia? Na queinada?
    Ou foi pro seringal, representando Abel?

    Qual o quê! P cabpc;p. emcprikadp a i, camtp
    Está, qual um Noé, sozinho no Dilúvio.
    Sem casa, sem vintém, tendo a vida, se tanto
    Nada pode fazer contra o inimigo plúvio...

    Plantar roças sobre água? Impossível! Pescar
    Ele o pode fazer, mas com dificuldade.
    Que lhe resta, afinal? É remar, é remar
    E ir como outro já fez, mendigar na cidade...

    "Vucê, se me ajudá, cumpatrício do sur,
    Vai ganhá de presente umas cuisa incantada:
    Vú mandá pra vucê, já "feito", irapuru
    E olho de buto, viu? Suco! Inchente zangada!"
     
     
     

              ESTUDO nº I

                   (Ao primo Maury)

              Os gatos solfejam seus violinos
              Fazendo amor por cima dos telhados.
              Os alísios sopravam, superfinos,
              Indo, sutis, despentear os prados.

              As estrelas puríssimas hialinos
              Alfinetes cravavam nos relvados
              E o marulho dos rios assassinos
              Feria os meus ouvidos extenuados.

              A noite era de ritos e presságios.
              Aos poucos, em vagarosos estágios
              Uma lua grená subia da terra.

              Havia no ar um cheiro acre de fumo...
              Um breado de pavor se ouviu no rumo
              Da silhueta colossal da serra.


     

         NOCTÂMBULO

         Como relembro tanto aquela madrugada
         De gelidez transpondo a fronte angustiada
         E de vento a gemer nos braços das ramagens...
         Era ouro e palidez aquela lua enorme,
         Que inda estende o seu manto à cidade que dorme
         E faz ressuscitar um turbilhão de imagens...

         Tudo estava em silêncio triste como a morte
         E as estrelas azuis brilhavam longe, ao norte,
         Como lumes de amor prestes a se extinguir.
         A estrada era tão branca e a ânsia indefinida
         Que eu não sei bem porque não exalei a vida,
         Como uma ave de sol que procura fugir...

         Havia em minha face uma expressão estranha
         Um rictus de dor e uma angústia tamanha,
         Que ao fitar o luar vi meu rosto sofrendo.
         E inquiri, balbuciante, às sombras e ao sigilo
         O que seria, céus! o que seria aquilo
         Que esparzia tristeza em tudo o que ia vendo?

         Silêncio. A grande dor não deu resposta. Apenas
         Houve um breve carpir de trêmulas avenas
         E lágrimas do luar nos horizontes baços.
         E a triste voz do vento, a deslizar, chorando,
         Um nome de mulher passou pronunciando
         E fugaz como o amor perdeu-se nos espaços...
     

               
               

              RIO NEGRO

                         (A Gilberto Mestrinho)

              Noite polida, deslizante e fria,
              Face impassível lutuosa d'água
              Treva que desce quando sbe o dia
              Lágrima negra de uma longa mágoa.

              Cordão de sombra que nunca deságua.
              Rio espelhante de face erradia
              Caminho errante que de frágua em frágua
              Num fundo abismo mais e mais se enfia.

              Banda de um elmo de um cruzado etéreo
              Tampo de esquife, líquido mistério
              Pantera d'água sempre a caminhar

              Singrando os peixes nesses fundos pegos
              Como conseguem ver sem ficar cegos
              Como seguem seu rumo sem errar?


     
     

    COISAS DO MEU TEMPO

    Meu Deus! Tira este peso de saudade
    De mim, por esses fatos do passado!
    Que nostalgia enorme a alma me invade
    Neste instante em que é tudo relembrado...

    A política, os tempos de amizade,
    Redação de jornal — recinto amado —
    Episódios da minha mocidade
    Minha doce Manaus, mundo encantado!

    Cada minuto que vivi tão belo
    Volta-me agora e nesse ritornello
    Se me comprime o terno coração.

    Cada lembramça na minh'alma é um quadro
    Lindo formando da memória no adro
    Pinacoteca desta solidão!
     

                             II

    E nesse instante eu compreendo os poetas
    Os Casmirios, os Gonçalves quando
    Longe da Pátria, os imortais estetas
    Faziam versos mil quase chorando.

    Ó instantes que vivi, horas diletas
    Em tantos ambientes, ora em bando,
    Ora sozinho, em meio às ruas retas,
    Por que de noite agora estais voltando?

    Súbito compreendi que estou maduro
    Embora sinta cada vez mais puro
    Meu bravo coração de rondonês

    Vem a saudade de Manaus, do nobre
    Tempo de lá que agora a mim descobre
    Tudo o vivido assim de uma só vez!
     

                             III

    Guardo a saudade num baú antigo
    E os episódios todos; pois são tantos
    Que, se os não eu puser já nesse abrigo,
    Me acabarão fazendo cair em prantos!

    Fecho-os no coração, deles desligo
    A visão, e em jardim de melantos
    Acabarão por se tornar, pois quantos
    Que eles viveram já estão no jazigo!

    Eu não pensava que tanto te amasse
    Manaus! Mas de repente vejo a face
    Dessa vivência em ti e me surpreendo

    Vigilengas! Achegas! Remembranças!
    Dormi nas arcas, como velhas tranças!
    É a minha mocidade que estou vendo!

     
    Fotos
    Literatura
    Atuação no Senado e na Câmera