ONDE ESTÁ GEPETO?
    90 páginas
    Editora Razão Cultural
    Rio de Janeiro/RJ
     

    CÍRIO DE NAZARÉ, BELÉM

    O rio passando... o rio parado.
    Estático, às margens, olhando passar...
    A fé flutuando; descalço ou calçado
    O crente avançando, caminho a forçar.

    Misticismo estranho permanece no ar.
    As cordas humanas de braço enlaçado
    Balões nas janelas, as tiras a voar,
    E o rio descendo, multicolorado.

    Agora uma corda, de fato uma corda,
    Com mãos segurando esse cânhamo grosso
    No ondeio barrento que as margens aborda.

    Um tersa embiara de humanos e dores
    A corda emultura — serpente colosso —
    A imagem da Santa coberta de flores.
     
     

             

            THE

            Um dia Selenh Medeiros
            (poetisa de muito valor)
            dedicando à minha Thereza
            um livro de sua autoria
            (dela, Seleneh Medeiros)
            escreveu na dedicatória,
            em vez de Thereza, The,
            assim como abreviatura,
            apelido carinhoso
            aliás, bastante original.
            Acontece que eu comprei em Manaus
            Uma lata de chá de jasmim
            Em que me nutro, para doçura
            (da alma) e para emagrecer,
            e lá eu deparei, em inglês,
            nesse produto chinês
            da Societé Nationale Chinoise
            Pour l'Importation et l'Exportation
            De Thé et de Produits Indigènes
            (sucursal de The a Faukien),
            com o mesmo nome de The,
            significando chá, justo chá de jasmim.
            Acontece que a minha Thereza
            (a quem chamo também de Birizinha),
            mulher santa e pura como um chá de jasmim,
            me lembra justamente isso,
            até porque amarela é,
            mas não desse amarelo doentio
            das pessoas enfermiças ou enfermas,
            mas daqueles chás rosas-chá,
            justo como sempre a chamei;
            e é calmante e meiga nas minhas horas aflitas
            e me sabe bem, me sabe bem
            quando a tomo com amor e ternura
            o coração cheio de pureza e confiança
            reconciliando-me com as mulheres e com a terra
            onde a candura existe — tem de existir, senhores,
            estou cansado de lutar — tem de existir, mulheres.
            Desde então eu tomo The das três,
            ou das cinco, ou da noite,
            porque a Birizinha é muito meiga
            perfuma e enfumaça minhas chávenas de porcelana,
            que nada mais que isso são as minhas crenças,
            a fé que eu possuo no ser humano,
            e a razão de ser eu tão alegre por fora,
            correndo agitado sobre o barro vermelho
            com os olhos cheios do verde no planalto
            e do céu nuveado, cortado por aviões a jato,
            e das casas branquinhas, e do mundo brilhante,
            bonito, bonito onde a beleza
            está em tudo, até no fedor.
            — Boa tarde, amigos, eu tomarei um The
            na taça dos lábios da minha mulherzinha
            que fará decerto uma careta
            e perguntará que bicho te atacou, menino?
            E, correndo, irá contar mais essa proeza,
            Do seu assunto predileto — (ao lado de repartição).
             
             
             

    ESTABILIDADE

    Tranco-me em arte. Enfrento as tempestades
    Que desabam dos céus por sobre mim.
    Ando correndo em busca de bondades,
    Apavorado com tudo que é ruim.

    A minha vida é eternamente assim
    Desde a mais tenra às próximas idades.
    Encontrar a alegria: este é meu fim,
    E que a sombra não turve amenidades.

    Quero os clarões da calma e da alegria,
    A coragem como asa em manhã fria,
    E um gongo de ouro soando aos meus ouvidos.

    E não quero saudade na minha alma
    De tamareiras verdejantes palmas
    Que abrigam doces frutos dos meus idos.
     
     
     

            O MAR

            O mar! O mar! O mar! O mar está cansado...
            — Como sabes? — A espuma... A espuma amarronzada.
            É como a de um cavalo exaurido, estrompado,
            Que correu sem parar ao longo de uma estrada!

            Assim podemos ver o seu dorso azulado
            Como uma cobra enorme e desenovelada.
            — O mar é como um céu liquefeito e pesado,
            E às vezes é mulher a imprecar, desvairada...

            É verdade. De noite ele rolou milhares
            De quilômetros e tangido pelos ares
            Às praias veio dar, nessa jornada infrene.

            É como o nosso andar ao longo de uma vida...
            Naufrágios, tanta coisa estranha acontecida...
            Por quê? Para quê?  — Nosso destino é um N...


     
             
    CONTO POLICIAL

    Descendo nágua verde
    Desse braço de mar
    Um corpo misterioso
    De bruços a flutuar.

    Tinha passado a noite
    Decerto a navegar.
    Era agourento e fofo
    Do dia ao dealbar.

    A sirene na lancha
    Que o foi dágua tirar
    Lembrava o desespero
    De alguém, louco, a gritar.

    O vento enregelado
    Pelotões a passar
    Fazia, sobre as águas,
    Em chicotadas de ar.

    Castanhos eram os olhos.
    O rosto tinha o esgar
    De quem previra a morte
    — Quem sabe em que lugar.

    A polícia de Greenwich
    Passara a investigar
    Aquele caso estranho
    Que a vinha desafiar.

    Jo-Jo, o detetive,
    Já fizera esvaziar
    Os bolsos, e notara
    Detalhe singular.

    O rosto era tristonho,
    Parecia sonhar.
    Isso transparecia
    Mesmo através do esgar.

    O comissário Bob
    Entrou a meditar
    Se era acidente ou crime
    O caso a investigar.

    Chamaram Mr. Marcos
    ara testemunhar;
    Ficou embatucado,
    Nervoso, a gaguejar.

    Mas disse que o sujeito
    Não lhe era de estranhar
    E com toda a certeza
    Já o vira em algum lugar.

    Como hóspede do hotel
    Mandaram me chamar,
    E à bela americana,
    A de recepcionar.

    Olhei e logo soube
    Quem era de ali estar.
    Mas nada tinha ao Bob
    E ao Jo a relatar.

    Sabia quem matara,
    O tipo singular:
    Fora essa americana
    com o seu celeste olhar.

    Voltamos. Insolúvel
    O caso foi ficar.
    mas eu sabia ao certo
    Quem morrera no mar.

    Aquele corpo fofo
    Que estivera a flutuar
    Era eu, era a minha alma
    Que ali fora ficar.

    Em Greenwich ficara
    Connecticut a amar.
    Jamais esqueceria
    Aquele belo mar.

    E ao vento frio e leve
    Naquele ideal lugar
    Fiquei, naquele corpo
    Que acharam a flutuar.

     
            SONETO DE PURO AMOR

            Tá feia! Saia curta, barriguda,
            Blusa curta, de vassoura na mão,
            Suada, olhos brilhantes, bem parruda,
            É linda, minha gente, é linda, não?

            Como né linda? É linda e muito! São
            Dela um sorrir maroto e uma unha aguda,
            Dessas de beliscar — ai!, quem me ajuda?
            Agora está com ar de dar beijão.

            Tá feia! E por que fico corridente
            Se a vejo junto a mim? Serei demente?
            Calipígia dos úberes vacuns.

            Não entendo mais nada. Me aposento
            De decifar-me, pois nisso eu sou lento,
            Não me entendem também dezenas de uns.
             


     
             
    A VIDA

    A vida é como um trem que vai passando;
    Cada vagão é um ano transcorrido,
    Puxado por um coração sofrido,
    Aos poucos da estação se distanciando.

    Esses tablóides cheios vão rodando
    Nos trilhos do mistério indefinido,
    Levando histórias do que foi vivido,
    Do infante ao vento que já vai findando.

    Às vezes passam mais de oitenta ou cem
    Vagões repletos de produtos vários
    (O conteúdo vivencial do trem)

    E sempre apita um derradeiro adeus
    Como se fosse um som de Stradivarius
    Se despedindo dos amores seus...

     
    Fotos
    Literatura
    Atuação no Senado e na Câmera