COMO SE EU FOSSE UM CANTADOR
    (Memórias em versos)
    capa: Urhacy Faustino sobre foto de álbum de família
    poesia  - 144 páginas
    R$ 30,00


    Nesta obra auto-biográfica, narra sua infância, através de 132 sonetos. Uma verdadeira aventura mata amazônica a dentro, com todos os perigos da vida selvagem, onde não faltam tiros, cobras, jacarés, mas também a coragem e a solidariedade de amigos leais.
    Um emocionante registro, escrito no exuberante e pitoresco linguajar regional. Esta obra também está sendo comercializada em CD.

    (I)

    Andei rondando pelo mundo afora
    E quase me esqueci de ti, poesia.
    E quão mais longe caminhando eu ia
    Menos pensava em ti, meiga senhora.

    Mas nesta noite novamente agora
    Estou contigo aqui, rezando pia
    Prece de rendição e de alegria
    Porque afinal tu não te foste embora

    Como viver sem ti, poesia amada,
    Se tremo ao defrontar-me ao pensamento
    De um dia ver chegar enfim o nada

    E como Alphonsus, escutar um sino
    Com seu dobre pesado e macilento
    Apagando o meu tempo de menino?
     
     
     
     

             MAL ENCARADO
             (IV)

             Nasci no município amazonense
             De Porto Velho, mas fui registrado
             Em Santo Antonio do Madeira, ao lado,
             Como parido em chão matogrossense.

             Tempos depois apenas guaporense
             Tornei-me quando fui abocanhado
             Um pedaço bem bom de cada Estado
             Pelo Governo Federal castrense.

             Anos depois, sendo eu legislador,
             Um projeto de lei, com destemor,
             Apresentei mundão ao território

             De Guaporé para Rondônia o nome.
             O Congresso aprovou e assim se some
             Este feito para o meu repertório.
         
         


    (V)

    As primeiras, de que eu tenho notícia,
    Recordações concernentes a mim
    São de eu vivendo em Guajará-Mirim
    E meu pai trabalhando na Polícia.

    Era subdelegado. Essa primícia
    Eu me recordo bem, pois foi assim
    Que eu me tornei um molecote ruim,
    Pensando que era dono da milícia.

    Usava na cintura um sabrezinho
    Que alguém me dera e tinha um certo arzinho
    De querer meter gente na cadeia.

    Mamãe é que salvava a situação:
    Pegava do meu pai o cinturão
    E em dez segundos me cobria de peia...
     
     
     

        (IX)

        O jacaré sempre foge da raia
        Quando se bate – práaa! – n’água com o remo
        E vai boiar, fingindo-se o supremo
        Bem longe, continuando na tocaia...

        Mas minha mãe era um rabo de saia
        Que o Ceara’ mandou para outro extremo
        Acho que mais valente do que o demo
        E que ao receio nunca fez zumbaia.

        Mergulhávamos como dois malucos,
        Nadávamos naqueles negros sucos
        Do Guaporé gostoso e bem friozinho.

        Voltávamos os dois bem refrescados
        Pulando e rindo como dois danados
        Patos do mato retomando aos ninhos..


     
     

    UMAS CONVERSAS DE ÁUREO E PASSARINHO
    (XXIII)

    Eu tinha umas gaiolas com pipira,
    Uns sanhaçus e galos de campina,
    Todo esse cromatismo que a divina
    Mão pintara, animara ou esculpira.

    À minha baladeira sucumbira
    Toda essa fauna alada e superfina.
    Minha pedra não era a que fulmina,
    Pois não matava a ave que eu tinha em mira.

    O passarinho apenas "desmaiava",
    Eu levava-o para casa e ali o "tratava",
    Fazendo-o tomar água e um pirãozinho

    Comer. Era mais um no cativeiro
    Que iria se tornar bom companheiro,
    Numas conversas de Áureo e passarinho.
     
     
     

        PORCARIA
        (XXVII)

        Desde lado é Brasil. Do outro, Bolívia.
        Não é grande a distância que separa
        As margens que o rio lambe com lascívia
        No duro chão que ferozmente ele ara.

        Um dia, era manhã, surge uma vara
        De "queixadas", como negra lixívia,
        Atravessando as águas, coisa rara,
        Na direção da nossa praia nívea.

        Foi tremendo o alvoroço. De espingardas
        Facas, rifles, facões, cacetes, jardas
        De cordas, o pessoal, faminto, armou-se

        E para receber a porcalhada
        (Decerto aquilo era um conto de fada)
        Como um bando de doidos preparou-se.


     
     

    (XXX)

    Nesinho não queria papo agora.
    Certo de que matara o paquiderme
    Queria era tirá-lo d; água fora,
    Já que na beira ele jazia inerme.

    Mete a mão na laçada sem demora
    E puxa o monstro qual se fosse um verme
    Mais para a terra. Um ronco naquela hora
    Se escuta, de gelar nossa epiderme

    E na mão do Nesinho as longas presas
    De um lado a outro, qual brasas acesas,
    Se cravam, do animal. Que cena horrenda!

    Grita o pobre infeliz. Meu pai atira
    Duas vezes, mata a fera, e a dona Elvira
    Grita que o leve, e bem depressa o atenda.
     
     
     

               
          O DIVINO
          (XXIV)

          A festa do "Divino" era chegada.
          Ataviando um barco e seus cantores
          Cheio de bandeirinhas multicores
          De repente atracava na beirada.

          "Pu riba dessa bandera
          Vem uma pomba voano.
          É o Divino Espirí-íto Sa-an-antu
          Que nos ve-en-in-abençoano..."

          Não poderia haver mais afinada
          Voz que a daqueles jovens sedutores
          Todos de branco, eles e os instrutores,
          Naquela embarcação engrinaldada.

          Uma bandeira enorme de cetim
          Presa a um mastro que tinha lá no topo
          Um pássaro de pano e um querubim

          O povo ia chegando e de joelhos
          Rezava, enquanto circulava o copo
          De "meladinha" entre novos e velhos.


     
     

    (XXXVI)

    Como podemos nós pedir clemência
    Ao poder que nos criou se para Sermos
    Temos que dar mil provas de demência
    Outros seres matando em crudos termos?

    É claro que é total nossa inocência
    E a culpa que nos cabe é a de nascermos
    Cravando os dentes qual se da alma enfermos
    No que está vivo, em cruel concupiscência.

    Sim, perder a razão é a única forma
    De respondermos ao que desinforma
    E nos torna felizes se perversos,

    No sonho absurdos de sermos poupados
    E paradoxalmente perdoados
    Nos debulhando em orações e versos...
     
     
     

          MACACADA
          (LV)

          De manhã, com café, era macaco
          Frito numa farofa, aliás, gostosa.
          Ao almoço, terrina fumegosa
          De macaco guisado — cada naco!

          Queiram me desculpar se aqui não saco
          Que ao jantar era a coxa deliciosa
          De um veado, ou de paca bem molhosa,
          Mas não, porque de novo era macaco!

          Até me repeti. Mas era um fato.
          Macaco de manhã, de tarde e à noite.
          Quem pensar em peru merece açoite!

          Era macaco e só. Porque no mato
          Era o bicho que dava. Em toda parte
          Era um tal de macaco fazendo arte!

           

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