A LAGARTIXA

Colada a visgo, pelas quatro patas,
No papel da parede vertical,
Onde as sombras se espicham, como as gatas
Sobre os velhos telhados, ao beiral...

Fina, à feição de um traço, anda aos insetos
A elástica e flexível lagartixa;
Vibram-lhe, em torno, os élitros inquietos
Dos besouros metálicos, em rixa.

E ela, às encolhas, quieta, olhinhos vivos,
Dentro da sombra, quieta, a hipnotizar,
A exemplo das aranhas nos seus crivos,
Que são suas tarrafas de pescar.

Nisto, leve e brilhante mariposa,
Tal qual a chispa acesa de um cigarro
Que rodopiasse no éther, qualquer cousa
De luminoso, alígero e bizarro,

Pousa à vidraça, ébria de sua dança,
Colhendo as asas de preciosa rede.
E a lagartixa estica a espinha, avança,
Descola as quatro patas da parede...

Escorrega, deslisa, ondeia e salta.
E o inseto de ouro, alheio à própria sorte,
Sob o suave esplendor da luz, que o exalta,
Dança o bailado clássico da Morte!

                                                            Theodorick de Almeida

Do livro: "Ouro, incenso e mirra", Oficinas Gráficas Guido & Cia, 1931, RJ