A Cigarra

Não, orgulhosa! não, alma nobre e vadia,
nunca foste pedir migalha ao formigueiro!
Dessedenta-te o sol e te nutre a alegria
De viver e morrer cantando, o dia inteiro...

Que infâmia ires ao vizinho celeiro
tu, que tens o celeiro universal do Dia,
e preferes morrer queimada em teu braseiro
íntimo a renunciar a tua fantasia!

Não! tu és superior ao código e ao compêndio,
à Economia, ou à Moral. — Aristocrata,
crês que prever miséria é já um vilipêndio.

Primadona pagã do Jardim e da Mata,
trazes dentro em ti mesma, em teu constante incêndio,
a luz, que te alimenta e o fogo, que te mata...
                                 Hermes Fontes
Do livro: "Microcosmo", Livr. Leite Ribeiro & Maurillo, 1919, RJ, poema da 1ª Parte: Os insetos