As Viagens de Dona Ostra

        Se havia uma coisa que Dona Ostra gostava de fazer, era viajar! E por mais que os crustáceos, moluscos e peixes do fundo do mar precisassem da sua presença (e assistência), a danada se fazia de desentendida, arrumava as malas, chamava o esposo, despedia-se dos nobres da corte (Dona Ostra fora a primeira ostra a ser coroada rainha do fundo do mar!), passava a coroa para Dom Tubarão e partia oceano afora. O mar que se danasse!
        E como o mar se danava! Era exatamente durante as viagens que os habitantes das águas mais levavam lambadas. Durante uma delas as sardinhas velhas foram obrigadas a entrar numa fila imensa só para provar que não estavam mortas - embora a aposentadoria de parcos plânctons fosse, em si, um verdadeiro veneno! Lá de outras terras, Dona Ostra se divertia com novos cenários e aproveitava a viagem para dar polimento na sua própria imagem. Como é de hábito na realeza, o brilho era dado por intermináveis discursos demagógicos, onde Dona Ostra exibia, sem dó nem piedade pelos da sua própria terra, uma extrema compaixão pelas terras estrangeiras. Esquecia-se que no fundo do seu mar a situação era tão caótica, que os lambaris já estavam morrendo de barriga inchada por falta de comida e os tubarões-martelo, desempregados pela paralisação da construção civil, agora comiam prego nos faróis pra descolar uns plânctons.
        O tal polimento foi tão eficaz que Dona Ostra começou a achar que não só a coroa merecia brilho. Olhou para o esposo e, ao constatar uma barbatana desengonçada, decidiu que o barbeiro da corte deveria estar sempre por perto. O incluiu na lista de passageiros. Depois de também ter incluído peixes, crustáceos e moluscos, Dona Ostra horrorizou-se com a carruagem de cavalos-marinho (o Cavalão) que conduzia a comitiva e resolveu que era hora de mudar de viatura. Comprou (com o dinheiro dos contribuintes marinhos) um modelo moderníssimo, puxado por potentes peixes voadores.
        Enquanto Dona Ostra exibia-se em outras cortes, a situação no fundo do mar ficava mais negra que o buraco negro do céu: os juros plânctonários não baixavam; a corte – que não era das melhores – foi trocada, não em nome da eficiência e competência, mas em função de alianças políticas; o neto de um amigo de Dom Tubarão foi favorecido num concurso público; a corte reuniu-se em convocação extraordinária, que custou 50 milhões de plânctons aos cofres públicos; e, não contente com tanta desgraça e querendo dar polimento ao seu tosco humor, Dona Ostra declarou lá das profundezas do Mar Índico: "No meu mar, as pessoas deviam reclamar menos e sair mais pelo mundo atrás de plânctons".
        O que Dona Ostra não sabe é que se não fosse pela falta de plânctons no banco ou debaixo da concha e pela tal esperança que teimam em cultivar, os habitantes do fundo do mar já teriam fugido para os mares da lua!

Marcia Frazão