JUSTINE

Aquela cadela era o cão.
Quem ela pensava que era, uma dama?
Subia na minha cama como se fosse dona. Nunca uma cortesã
Mais parecia uma gata, que sabe de seus direitos e a todos encanta, no salão
Olhava-me como se soubesse quem sou: o que será que ela via?
Obedecia-me. Eu era o patrão, ela a manda-chuva
Nos dias de sol: raios e trovoadas, ela só aprontando
Corria sobre o canteiro de rosas: um estrago e tanto
Subia no varal: pegadas por toda a roupa. Deixava a empregada louca
Mas era só eu falar chega, acabou, e ela ficava quietinha
Às vezes saltava sobre mim, latindo feito fera
Tomava meu pulso entre os dentes, pura ameaça, todo mundo olhando
Não era nada, uma palavra minha e acabou a brincadeira
E quando eu saía? Gemia, era patético, porque quase humano. Via-se que sofria
O focinho tremia, e ela produzia pequenos ganidos, quase fonemas
Pode-se dizer que ela tinha a linguagem, ao menos os esforços para expressá-la
(Mesmo que só nas horas de intensidade emocional
Essa sua vantagem sobre certos humanos: não falava o tempo todo, à toa)
Ao lado da mesa ficava, sempre, à espera de migalhas, restos da refeição
Não que estivesse faminta, tinha a sua ração
Para se sentir parte da família, em comunhão
Um dia a perdi. Ganhei um luto que jamais tirei, por dentro
Vista azul , amarelo ou branco
É sempre preto

                                              Ana Guimarães


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