A PRIMAVERA DE UM POVO

"Dai que meus sonhos não se banalizem,
não sejam mortos em tão duras provas.."

Adroaldo Ribeiro Costa

Primavera, teu nome é flores.

Antigamente – e não tão antigamente assim – a chegada da Primavera era motivo de festas e de tema de redação nas escolas. No dia 22 de setembro os estudantes eram obrigados a se perfilar e a cantar o hino da Primavera. Depois saíam em caminhada pelos parques e jardins em busca de inspiração para a redação. Namorados trocavam cartões, amantes enviavam flores e os jardins públicos e privados se esbaldavam em aroma floral. Havia também desfiles escolares pelas principais ruas e avenidas da cidade.

Na Bahia de antigamente – e não tão antigamente assim – havia os jogos estudantis da Primavera e mobilizavam toda classe estudantil baiana em disputa de modalidades olímpicas. O auge acontecia no ginásio de esporte Antonio Balbino e na pista olímpica do estádio da Fonte Nova. Caravanas e caravanas de estudantes partiam em ruidosa romaria do interior para a capital e, durante duas semanas, Salvador abrigava milhares de rostos juvenis com suas alegrias e ansiedades características. Devo confessar que a Primavera, além de inspirar o espírito esportivo, aflorava nos corações o envolvente e mágico jogo da sedução e houve inúmeros casos de casamento em data posterior ao evento. Casamentos estes que, às vezes, só duravam até o outono próximo.

Os jogos eram patrocinados pelo Governo do Estado, pelos Diários Associados – então a maior rede de notícias do Nordeste –, e tinha a coordenação do saudoso professor Adroaldo Ribeiro Costa, um poeta dos maiores, autor do belíssimo e poético hino do Esporte Clube Bahia, educador de primeira linhagem e criador do projeto “Hora da Criança”, em 1943, no intuito de educar através da arte. Foi desse projeto que surgiram as irmãs canoras artisticamente conhecidas como “Quarteto em Cy”.

O hino da Primavera, também do professor Adroaldo Ribeiro Costa, era um hino ufanista e conclamava os baianos a sentir o amor pela pátria chamada Bahia e acho que advém daí o grande orgulho do baiano em ser baiano. Lá na Bahia nós somos doutrinados para sentir orgulho de nossa terra, de nosso povo, de nossa gente, desde os primórdios da infância. Antes de se estudar a História do Brasil ou de outros povos, estuda-se primeiro a História da Bahia, nossa Geografia heróica, humana e social. Parte-se da premissa de que, se queremos ser valorizados pelos outros, primeiro temos que nos valorizar.

Em sete de setembro de 1922 D. Pedro I deu o Grito do Ipiranga e foi para um bordel tomar cachaça e fornicar com as putas. Em sua sombra, soldados e puxa-sacos, pois isso não é coisa de agora. Enquanto ele mostrava a sua espada para a Marquesa de Santos, o pau comia entre baianos e portugueses na província da Bahia. Por quase um ano o baiano lutou bravamente contra os homens de el-rey para defender o então solo pátrio. Luta campal renhida e desigual, que ficou conhecida como a Batalha de Pirajá – onde hoje é um bairro de mesmo nome – por um acaso afortunado do destino os portugueses não levaram a melhor: vendo-se acossado, o comando em terra das forças baianas deu ordem ao soldado Lopes, corneteiro da tropa, para dar o toque de retirada e evitar mais mortes. O corneteiro se atrapalhou e, em vez do toque de retirada, mandou para o ar o toque de “avançar” e os soldados índios, os soldados caboclos, os soldados negros escravos dos senhores de engenho do Recôncavo, aliados aos rotos soldados do Imperador, cresceram em coragem e fé e partiram com vontade para cima dos portugueses, que fugiram até o mar do Porto da Barra e lá entraram em suas galés e sumiram em seus navios pela Baía de Todos os Santos, perseguidos pelo almirante Lord Cochrane, contratado de última hora pelo Imperador D. Pedro I para reforçar os bravos combatentes baianos na sua luta desigual.

O sete de setembro na Bahia é apenas um feriado a mais, sem muitas comemorações. A festa cívica dos baianos acontece na data de aniversário em que o corneteiro Lopes pôs os lusos para correr. As escolas desfilam em trajes de gala e alegorias revivem a trajetória vitoriosa, do Pirajá ao Campo Grande, local da última batalha, cujos monumentos lembram os heróis da independência da Bahia. Um dos bairros mais chiques de Salvador, a Vitória, tem esse nome em homenagem à data Magna baiana, inclusive a sua principal rua tem o nome centenário de “Corredor da Vitória”, onde a tropa lusa levou as últimas bordoadas dos baianos. Seguindo o Corredor da Vitória, está a Ladeira da Barra desaguando no Porto da Barra, local de atracação da esquadra portuguesa.

Então nesse histórico e inesquecível dia, 2 de julho de 1823, teve início a Primavera do baiano que lutou bravamente, não pelo seu Imperador, mas por uma pátria chamada Bahia.

Ronaldo Torres