"ENTREVISTANDO O POETA"
Nilton Alves

Entrevista publicada na revista literária Plural, nª 2, Novembro 2006 (Ano 3), pag.21, Ed. Oficina (APPERJ)

• NA - Leila, 41 anos de “trabalho” na e/ou pela poesia. É muito tempo? É carga pesada? Você faz distinção entre o “na” e o “pela” poesia?

LM - Nilton, é trabalho sem aspas sim (mesmo sendo tão prazeroso), e leve não é, principalmente o “pela”, porque a conscientização profissional do escritor brasileiro ainda é mínima; o “na” é mais suave em geral, embora suave seja tudo o que a minha poesia não é... De qualquer modo, penso que a poesia está ligada a poiesis, ao seu agir. Então, de qualquer modo, direta ou indiretamente, um único verso já mobiliza a ação que ele detona. 


• NA - Como começou sua trajetória literária? Fala um pouco sobre o desenrolar deste trajeto.

LM Com três anos de idade eu já fazia trova para meu gato, imagina você... Minha mãe (que era professora e chegou à diretora de escola pública) sempre me incentivou muito, inclusive a entrar em certames literários; então, desde a escola primária eu concorria, fazia pesquisas, lia muito para participar de alguns. No primeiro concurso, eu tirei menção honrosa; no segundo, um 9º lugar; no terceiro, fiquei em 6º e quando eu consegui meu primeiro “1º prêmio” fiquei tão feliz e recompensada que não parei mais de escrever. Fiz Direito, exerci a profissão por vários anos (advogada do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil, no Rio), porém acabei abandonando a advocacia para dedicar-me em tempo integral à literatura. Nunca me arrependi, por mais difíceis que sejam alguns trechos da trilha.


•  NA - Televisão, rádio, teatro. Através destes meios de comunicação você tem levado a literatura, e em particular a poesia, ao grande público. Fala um pouco sobre este processo. E no cinema e na música?

LM - Só entendi melhor o meu processo individual após ter entrado para o Mestrado da UFRJ (Letras/Ciência da Literatura/Teoria Literária). Descobri que sempre respirei poesia, mas não no sentido abstrato, metafórico, e sim no sentido concreto: todo o tempo estive voltada para a poesia enquanto ação, enquanto questionamento, e é por isso que a levo comigo para todo o canto (você não mencionou também a música?...). O mundo é poético, a poesia o movimenta em busca da essência das coisas, a poesia é o nosso verdadeiro habitat — nós habitamos a linguagem (que não é, em absoluto, sinônimo da fala – a linguagem é muito mais abrangente). Para mim, então, poesia está em todas as artes, porque, enquanto poiesis, ela questiona a realidade em que vivemos e a ficção que criamos. Daí eu transitar tão à vontade pelas áreas que você mencionou, tendo a poesia por guia, bússola e fio condutor.


•  NA - Na sua obra literária que destaque você dá à poesia?

LM - Acho que a poesia é tudo para todos, mesmo que as pessoas não se apercebam disso. Nem existiríamos sem poesia. No meu entender, sem ela não haveria linguagem, e sem linguagem não haveria sequer humanidade, que fará processo cultural (óbvio). Para mim, poesia, linguagem e natureza (physis) são uma coisa só.

LM - Eu acho que o livro de poesia vende sim, e vende bem. É só o autor emergente que ouve essa desculpa (esfarrapada) quando seu original é recusado pelas grandes editoras (as únicas que financiam integralmente as edições). No entanto, se deixarmos de tapar o sol com a peneira, observamos que nunca se investiu tanto em poesia como agora; essa conclusão é facilmente comprovada ao clicarmos nos catálogos on line das editoras de grande porte, que não investem em uma área que não lhes seja lucrativa. No entanto, poucos autores contestam esse jargão, até mesmo por vaidade: é muito mais fácil endossá-lo do que entender a sutileza da mensagem: quando as grandes editoras dizem que poesia não vende, querem dizer que a poesia daquele autor não vende, “a sua poesia não vende, por isso não vamos investir em você” (e, aqui, os motivos são vários, e não se diga que é apenas porque ele não é conhecido, pois ninguém nasce famoso). Por ser uma afirmação bem mais incômoda, em geral os poetas acomodam-se ao discurso de que “poesia não vende”, que continua a lhes servir de muleta, esquecidos de que essa não é uma verdade absoluta. Em verdade, a cultura de massa não quer alijar nenhum tipo de consumidores do mercado; dentro dessa perspectiva, a poesia pode atingir, como qualquer outro gênero literário, altos índices de venda, dependendo do texto – óbvio – mas também do tipo de marketing que a promove na mídia. Quanto a Internet, penso que ela facilita e acelera as vendas: veja-se a Amazon, a Submarino, as Livrarias, os Sebos... Todo esse comércio cresce vertiginosamente e, cada vez mais, essas lojas virtuais passam muito bem, obrigado.

LM -  Antes dela, sinto-me como se vivesse na pré-história...

• NA - Blocos Online – maior site de literatura do Brasil, quiçá da América Latina: como é este trabalho? Quem está envolvido?

LM - Blocos completa 10 anos agora, em julho de 2006, e foi criado por Urhacy Faustino e por mim. Até dois anos atrás, sem qualquer patrocínio ou ajuda, mantivemos o site com recursos próprios (e, lembre-se, não temos outra fonte de renda se não a nossa literatura...). Com muita garra e idealismo Blocos <http://www.blocosonline.com.br> transformou-se em um mega-portal, tido pela UNESCO, já em 2001, como um dos maiores sites de poesia mundiais (também recebemos importante troféu “Qualidade Brasil”). Em 2004, passamos a contar com o respaldo de intelectuais renomados: nosso Conselho Administrador é constituído pelo Acadêmico Josué Montello (que faleceu recentemente), como Presidente de Honra, Mauro Salles, como Presidente, Arnaldo Niskier (atual Secretário de Cultura do Rio) na vice-presidência, além de: Affonso Romano de Sant'Anna, Alcides Nogueira, Antonio Olinto, Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar, Edla Van Steen, Euler Matheus, Gilberto Mendonça Teles, Glauco Mattoso, Lêdo Ivo, Murilo Melo Filho, Nélida Piñon, Sérgio Corrêa da Costa, Waldir Ribeiro do Val. Também temos colunistas fixos: Bárbara Bandeira Benevento, Cristina Magalhães Herrmann, Henrique Cairus, João Luiz Pacheco Mendes, José Nêumanne Pinto, Marli Berg, Rogel Samuel, Rubens da Cunha, Thaty Marcondes (atual Conselheira Municipal da Cultura de Ponta Grossa/PR).

LM - Em se tratando de livros publicados pela nossa Editora Blocos, nem mesmo pela Internet, porque não temos e-books. Além de gostarmos da textura do papel, do folhear, do levar o livro na bolsa, no bolso, na sacola, ainda há o problema do plágio, das cópias não autorizadas, dos direitos autorais – terreno ainda bastante insólito e mal-resolvido com relação a web. Estamos com as atividades de impressão de livros paralisadas, no momento, priorizando o portal, que nos proporciona mais gratificações emocionais e nos permite sorrir de alegria com os 6.200, 6.500 visitantes diários, números que jamais alcançamos com as tiragens reduzidas das nossas publicações, pois nossa editora sempre foi de pequeno porte. Pela Internet conseguimos realizar mais plenamente o objetivo da editora, o de ser um catalisador, um núcleo aglutinador, instrumento na prática de divulgação gratuita do escritor brasileiro, seja ele consagrado ou ainda não. Muito mais do que editar livros ou realizar-se enquanto publicação digital, Blocos pretende contribuir, a seu modo, para a reflexão da contemporaneidade e da história da literatura brasileira.

LM - Uma workaholic que ama o que faz e não sabe ser feliz sem escrever.

Existem muitas outras Leilas pelo mundo – ainda bem –, mas a Míccolis é única e intransferível, como todas as pessoas desse planeta. E também, igual as demais, a Míccolis tem diversos ângulos, facetas e matizes: a Leila-felina é uma dos lados mais criança: ela adora brincar e tentar interagir com os gatos, diariamente, através de uma linguagem lúdica, que ela chama de “miadês”... No entanto, há a Leila mais séria, outra mais informal, outra mais tímida, outra mais guerreira, outra mais reflexiva, outra mais irônica, outra mais enérgica, outra mais zen, outra mais didática... mas, em comum – e voltamos ao início –, a “Leila da poesia” está presente em todas.