Da série: "Pérolas do Cotidiano"

É domingo à tarde. O cronista, depois de faturar um lauto almoço, encontra-se, já quase em estado letárgico, deitado no sofá da sala. Um torpor gostoso invade o seu corpo e a sua alma. Na varanda, contígua a essa espécie de nirvana doméstica, ocorre um bate-papo que chega aos seus ouvidos quase como um sussurro longínquo, fazendo com que a atmosfera seja de sonho e de enlevo.

Os temas discutidos pelos ocupantes da varanda são os mais variados possíveis. Desde futebol, passando por bordados e crochès, até invasões de sem-terra. De repente, a atenção do cronista é despertada para um assunto assaz interessante. Um dos interlocutores lê no jornal, em voz alta, a carta de um leitor que procura orientação sobre como resolver um problema deveras sui generis. Trata-se de um vizinho de apartamento que cria mais de 20 gatos. O dono do imóvel faleceu há mais de 2 anos e os herdeiros não abriram inventário. Os felinos pintam e bordam. À noite ninguém consegue conciliar o sono, em virtude dos múltiplos sons que os bichanos emitem, principalmente agudíssimos e terríveis miados. Reclamar com o dono da "gataiada" de nada adiantou. O que fazer? Pedia resposta urgente.

Devido ao estado do contador desta estória, a solução aventada pelo periódico não foi ouvida perfeitamente. Pareceu que o conselho, como não podia deixar de ser, descambava para o campo jurídico. Procurar um advogado, processar, sei lá... O sono foi mais forte. Quando o cronista acordou, a varanda já estava despovoada. O assunto dos gatos, entretanto, continuava vivo na sua mente. Começou a elocubrar algumas soluções alternativas para o caso. Vejamos algumas delas. Os leitores, depois, que pensem em outras.

a) Colocar os gatos dentro de uma tuba: a idéia não daria certo. Não se coaduna com o ditado popular que diz: "Tem gato na tuba" e não "Têm gatos na tuba".

b) Pedir licença à Ligth e "puxar" um gato: :Isso foi imediatamente descartado. Ia só enfezar o bichano escolhido pra vítima. Como já dissemos, eram mais de 20 gatos. Puxar um só de nada adiantaria.

c) Dar uma tremenda "gata": Eis aí uma grande "mancada". Só iria aumentar o barulho noturno. Sem gata nas "paradas" a coisa já estava feia demais.

d) Pedir ao síndico, que era um tremendo "gato", para notificar o vizinho inoportuno: O vizinho era "fogo" e louco por gatos. Talvez o síndico fosse requisitado para engrossar a fileira dos bichinhos de estimação do sacripanta. Alternativa abandonada, por ser perigosa.

e) Simplesmente eliminar os gatos, valendo qualquer meio: Essa seria a pior das soluções. Iria demorar tempo demais. O cronista lembrou que teria que fazer isto por diversas vezes. Afinal de contas, gatos têm sete vidas.

f) Soltar os cachorros (nos gatos e no vizinho): Esse tiro também foi na água. Se houvesse tantos cachorros, o criador de gatos é que estaria processando o dono dos cachorros. Esses animais são, via de regra, muito maiores e muito mais incomodativos.

Depois de todas essas idéias de jerico, o cronista caiu em si, levantou-se do sofá em que estava refastelado, partiu para a cozinha a fim de "rangar". Como já estava de saco cheio com o affair "felino" preparou, para comer, um cachorro-quente. Porém, quando abriu a geladeira à cata de uma bebida, se deu mal. Só havia uma garrafa de Gatorade.

Paulo Guiné