Máximo:

                            Dedicado ao gato Max, nascido em 01/05/02 dado como desaparecido em 03/01/03

Seus olhos verdes cintilaram como nunca acontecera antes, ao olhar profundamente dentro dos meus olhos. Eu sabia que era nosso adeus, mas nada fiz além de afastar-me tanto quanto ele...

Eu estava aborrecida pois, minutos antes, ele ferira meu irmão, como sempre fazia. Agora, mais calma, tento entender qual dos dois tem mentalidade mais infantil, o gato arisco de sete meses de idade ou meu irmão que, aos trinta e cinco anos, insistia em acariciar e brincar com o gato que não gostava de ser tocado...

Era só um animal selvagem, mas eu o repreendi e o puni como se tivesse consciência de seus atos...

Em questão de segundos muda-se toda uma estória e a vida segue implacável como se não houvesse como esperar ou reparar erros. Eu tinha planos, para nosso futuro juntos, pensava nele, sempre antes de pensar em mim. Desde o café da manhã ( que tomo as duas da tarde) até entrar pela madrugada escrevendo ou respondendo emails, era sempre nele que eu pensava primeiro, de quem cuidava em primeiro lugar para depois tratar de mim. Dei-lhe até o sobrenome de minha família e o nome Máximo parecia cair-lhe muito bem. Ele sempre fazia sucesso, por onde passava era sempre o centro das atenções...

Mas, se por um lado cuidei demais, por outro criei um enorme abismo entre nós que, somente agora posso enxergar. Alimentava-se com as melhores rações e com carne de primeira, sempre bem cozida. Recebeu todas as vacinas e vitaminas nas datas e horários certos. A cada quinze dias ia ao veterinário para cortar unhas e tomar banho, voltava perfumado vestindo uma gravatinha, às vezes social em outras borboleta e fazia uma festa danada ao chegar e ser fotografado... Até ganhou presente de natal, um palhacinho que, em poucos minutos estava degolado. E eu o repreendi quando atravessou a rua e trouxe uma barata ainda esperneando para dentro de minha sala. Só depois de tanta bronca foi que entendi que era uma forma dele retribuir o presente de natal que ganhara...

Nunca consegui fazer-lhe um carinho. Nos primeiros dias de convivência, por duas vezes tentei afagar-lhe a cabeça, mas logo tentou abocanhar-me. Entendi e, sei lá se deveria entender assim, que não gostava de carinho e nunca mais tentei tocar nele. Então era sempre ele quem se aproximava de mim. Bastava ouvir minha voz para miar em várias idiomas, falava desde "miauau" até "meeel". E ainda fazia um som engraçado imitando uma arara. Era poliglota.

Andava trançando nas minhas pernas e, por vezes, quase íamos ao chão e, quando eu cozinhava ou lavava louças, ficava esfregando-se indefinidamente em minhas pernas e pulando em minha cintura, pendurando-se pelas unhas. Eu brincava dizendo que era o único gato que não largava do meu pé... Mas, enfim, ai de mim se me empolgasse e o pegasse no colo nestes momentos, pois ele mordia onde fosse possível alcançar...

Eu era sua única referência. Mostrei-lhe o tempo todo um mundinho cor-de-rosa, cheio de brinquedos e brincadeiras, onde ele era senhor de tudo, onde podia até dilacerar a mão de quem tentava afaga-lo e o máximo que acontecia era levar uma grande bronca e ficar trancado de castigo por algum tempo.

Às vezes viajávamos juntos, mas ele nunca saia de perto de mim e nunca ficávamos fora de casa por mais de vinte e quatro horas. Neste final de ano fomos ao interior. Pensei ser possível conciliar nossa vida na capital com viagens ao interior, mas enganei-me. Lá chegando, encantou-se com o mato, os bichos, a natureza enfim... E foi ai que comecei a errar cada vez mais.

Saía com meu irmão e cunhada por muitas horas, deixando-o sozinho naquele enorme quintal e, a noite ele dormia na garagem. Conheceu uns gatos selvagens e, às vezes, parecia estar namorando alguma gata, em outras vezes ferravam de briga ao ponto dele vir correndo esconder-se na casa. Em um dia chegou desesperado em mim, gesticulava, emitia vários sons, parecia querer contar algo, talvez uma aventura noturna mal sucedida, mas por mais que eu tentasse, não conseguia entender o que ele queria dizer... Acabou caindo do telhado e machucando-se. Ao pega-lo no colo para que eu pudesse cura-lo, meu irmão ganhou uma mordida que dilacerou sua mão já toda remendada por um acidente. Naquele momento eu só conseguia pensar que precisava escolher entre meu irmão e meu gato, pois os dois juntos jamais se entenderiam.

Então optei por meu irmão, briguei e bati no gato, desejei que nunca tivesse existido e que pudesse sumir da minha vida. E gritei isso para que ouvisse bem. E, infelizmente, meu desejo realizou-se. Horas mais tarde, depois de socorrer meu irmão e verificar que a mordida, apesar de muito profunda não causaria maiores danos além de mais uma cicatriz, só então lembrei-me do Máximo e fui atrás dele, mas ele já não estava em nenhum lugar onde poderia estar.

Alguém o levou para muito longe de mim e tenho a certeza de que nunca mais poderei encontra-lo. Voltei a São Paulo arrasada e o melhor que encontrei a fazer foi rever suas muitas fotografias e chorar. Seus muitos brinquedos, seus pertences coloquei para o lixeiro levar, estou doando o arranhador, que ele pouco usou, para uma amiga que tem vários gatos e certamente o aproveitará bem.

E ainda choro muito ao escrever este texto. Aliás, aproveito para desculpar-me, pois sei que este é o pior texto que já escrevi na vida. Não é um conto, não tem poesia, nenhuma informação científica e nenhum sentido lógico para existir. Se escrevo é apenas para desabafar e esperar que, de onde ele estiver, possa enxergar meu pranto e perdoar-me pela minha burrice e incompreensão para com ele.

Para dizer que nem vejo mais sentido em voltar para casa, já que não haverá ninguém à minha espera, poderei fazer todo o barulho do mundo abrindo a porta que ele não miará desesperado para me ver, não terei mais que lhe dar bronca por destruir meu sofá e todos os móveis e livros enquanto seu arranhador fica intacto, não mais derrubará minhas louças, nem pulará na máquina de lavar, tentando arrancar as roupas que rodam no visor, não mais grudará no rodo fazendo dele um carrinho enquanto passo um pano no chão, não mais derrubará quase toda a sua areia higiênica logo após eu ter lavado todo o seu quarto, não morderá na minha frente mais ninguém que lhe faça carinho e, quando eu raramente trouxer algum pretendente em casa, este não o ficará olhando com cara de nojo ou sendo mais sincero, não precisará dizer que "não gosta muito de gato"...

Aliás, uma amiga, há pouco, perguntou-me se o meu gato que sumiu é de quatro ou duas patas. Respondi que estou desesperada assim porque ele tem quatro patas, se tivesse duas eu não estaria nesta depressão toda... Porque, os homens que me desculpem, posso ainda encontrar muitos gatos de duas patas. Mas nunca mais haverá em minha vida, um gato como o Máximo...

Lou de Olivier