O CHIQUINHO

 Peludo, ar selvagem, de fingido – carícia branca na pele rosa da moça. Que sorri, deliciada: ser feliz é isso – um gatinho que ama a gente.
Gato não se afeiçoa às pessoas – à casa, sim? Mentira. O Chiquinho adora a Silvinha –  dois namoradinhos.
 Tinha ciúmes – namorado dela era o Chiquinho, não viesse com outro não. E a Silvinha – a ingrata – não é que deu de amar um moço bonito! Bonito para ela: um grandalhudo que nem sabia onde punha as mãos.
 O Chiquinho vigiava – onde se viu, namorar no portão. Se comporte, seu feioso! Nem de mãos dadas podiam ficar. E não é que surpreendeu um beijo em flagrante – o bruto queria sufocar a Silvinha? Avançou, unhas e dentes, e a camisa rasgada, o braço arranhado, a orelha sangrando – toma, seu animal.
 A Silvinha foi feliz – um namorado vai, outro vem –, o Chiquinho, seu secreto amorzinho.
 Se enrosca no pescoço – macia penugem, por dentro faz um bem. Um beijinho na boca, nos beicinhos. Ela tem um corpinho fino, delicada pétala de flor. O seio muito pequeno, polpa de fruta madura. Um perfume – cheiro bom um corpo de mulher.
 O Chiquinho se esconde atrás da porta – psiu! O meu pires de leite – não se esqueça, viu? Bebe guloso, o olho verde-azul grudado na dona – ai dona de minh’alma!
 Dorme – caminha quente, junto do coração da Silvinha. O focinho tão frio – ufa! o calor do nosso ninho, minha dona.
 Inteligente, o Chiquinho. Um olho diz sim; o outro, não. Reprova, aconselha – ron, ron! –, dá sugestões – passeio no jardim, o dia bonito.
 Na volta do trabalho,  quem primeiro te espera?  O  Chiquinho.  Meu  beijo,  meu colo, que eu mereço.
  Olha o meu bigode – soberbo, não? De pé, esfrega as duas mãozinhas, tapa um olho, o outro. Mostra os dentes, a lingüinha de fora – estou aqui! – severo.
 Fita encarnada no pescoço? Não gosto disso não. Sou mais bonito.
 Cumprimenta as visitas, faz reverência, sério, com a cabeça e os bracinhos, um a um. Senta-se ao lado da patroa, compenetrado, presta atenção na conversa. Faz um ou outro comentário, cerimonioso, se lhe pedem a opinião.
 Rola no tapete, uma bola branca, luminosa. Pára na réstia de sol, luz contra luz, o brilho maior.
 Vem deitar comigo, chama a Silvinha.
 Pisa de leve, quase te derruba, se distraída. Faz jeito de vergonha, timidez – foi sem querer, pede desculpa.
 Se encantou com a brincadeira do saco. Abra um saco, ele pula dentro. Bobinho! A Silvinha, então, sempre tem um saco vazio para ele pular dentro.
 Rato na casa, nenhum. O Chiquinho não caçaria mesmo, será? Limpinho, comida não falta. Mas, e o instinto? Mais forte do que o amor.
 Você vai ver: logo atrás das gatas, está na hora. Não está não, diz a moça.
 Estava sim, na hora dela. E do fim do romance encantado de um gatinho. A Silvinha casou, o marido não gostava e – a ingrata, a ingrata! – deu o Chiquinho.
 Uma menina triste, gostava muito – Você quer?
 O Chiquinho que não gostava, nem queria. Ficou doente – gelado, tremulozinho. A Silvinha era feliz, amor é cruel. Vai – e adeus, a mágoa sem remédio.

José Carlos Mendes Brandão