O diário de um gato

Era um simples gatinho siamês perdido num destes Pet Shops da vida. Não fosse o destino, talvez ele ainda estivesse lá. Mas Santo Gatuno rezou por este escontro e ele aconteceu. Estava eu cobrindo férias em Niterói e cismo de comprar um gato. Logo eu, que nunca gostei de gato, estava lá, encantada por aquele bichinho de 15 centímetros, pêlo branco e cinza e olhos azuis.
Sei que viramos amigos, embora às vezes seja complicado entender o seu temperamento canino-humano. Ele veio para contrariar todas as minhas crenças em relação aos felinos e me ensinar que os gatos também amam. E algumas vezes podem até falar. Eu, como escritora incubada e bruxa em aperfeiçoamento, consegui, desde que aconteceu o encontro Penélope X Gummie retirar dos seus miaus as palavras que seguem e, realmente, estou orgulhosa do meu gatinho.

“Me lembro daquele dia lá em Niteroi. Uma mulher meio louca entrou na loja que eu estava à venda e começou a chorar o preço para me comprar. Poxa, eu poderia até não valer os R$ 150,00 que estavam cobrando de mim, mas pagar R$ 25 realmente já me deixou com um complexo de inferioridade. Daí ouço a doida falando, só quero se for macho. Eu tentava me esconder no meio de todas aquelas gatas lindas, mas uma mão peluda de um homem que trabalhava naquela loja me achou e me tirou da gaiola que estava emprestada pra nós. Eu era tão pequenininho, estava ali acompanhado de seres da minha espécie e de repente, preciso sair dali porque alguém estava escolhendo o caminho da minha vida. Ou será que foi a vida que escolheu o meu caminho?
Me enfiaram numa caixa de papelão e me senti muito rejeitado neste dia. Estava tudo escuro lá dentro, mal fizeram buracos para que eu pudesse respirar e ainda tive que andar de Jumbo Cat. Imagina, parece que inventaram este nome de sacanagem mesmo. Gato não tem nada a ver com água. Eles colocaram o meu nome no nome do barco e sem contar que o barco anda por cima da onde? Da água, claro.
Meu pânico aumentava a cada instante e eu já estava ficando rouco de tanto miar e chorar. Aquela estranha do lado de fora tentava me acalmar, mas eu nem sabia quem ela era, não dava ouvidos pra ela e nenhum pouquinho de atenção. Acreditam que fui barrado na portaria de um prédio? Nesta hora, gostei da atitude dela. Armou o maior barraco na recepção tentando fazer com que deixassem eu entrar. Mas não deixaram. Fechei a cara. Afinal, vocês sabem, gato tem personalidade. E mesmo ela lutando para me tornar um cachorro, algumas coisas da minha essência não perdi até hoje. Realmente só faço o que tenho vontade. De vez em quando, só para perturbar e mostrar que eu existo, dou uma mijada bonita num puff azul que tem na minha casa e fica todo mundo pau da vida. Mas eu tenho que mostrar quem manda ali. Ou pelo menos no cheiro da casa. Este, sou eu que dito mesmo.
Comecei a gostar daquela menina e passei a tê-la como minha mãe de verdade. Era estranho ela não ter bigodes e não falar a mesma língua que eu mas com o tempo estávamos nos entendendo. Sempre foi legal ela deixar eu dormir na cama com ela, enrolado nas cobertas. Sempre pude comer na hora certa e até de banho passei a gostar. Este é um fato engraçado de verdade. Porque ela sempre quis que eu me tornasse um cachorro e quando resolvo demonstrar que ela conseguiu muita coisa, que gosto até de banho, ela confunde as coisas, acha que gato não pode mesmo gostar de água e não deixa eu tomar banho com ela. Quando o meu pai chegou lá em casa (eu era azarado mesmo, ele também não gostava de gato. Este povo é muito estranho e cheio de preconceitos. Me odeiam e depois me amam e ainda ficam repetindo que continuam não gostando de gato, só gostam de mim mas porque eu sou um cachorro). Então, como eu estava falando, tentei tomar banho com o meu pai também, que sempre me chamava de cachorro e ele tb nunca deixou. Eles não sabem o que eu passo nesse verão, com este monte de pêlos que eu tenho. Já que estou tendo a chance de falar agora, mesmo que de uma maneira psicomiada, imploro: deixem eu tomar banho!!!
Aliás, tenho que agradecer muito ao meu pai, porque desde que ele chegou, minha mãe parou de se dedicar como antes à minha alimentação. Antes me enchia o saco botando remédio na minha orelha, passando talco pra pulga, me levando pro médico para tomar injeção (argh!) e agora nem comida me dá sempre. Ah! Se não fosse o meu pai....
Uma outra coisa que não posso deixar de registrar são as bagunças que eles fazem lá em casa. Eu me divirto muito. Eles começam com uns papos mais interessantes que realmente acrescentam bastante coisa à minha cultura, mas depois fumam um negócio com um cheiro estranho e ficam completamente idiotas e morrendo de rir. Eu fico fingindo que não tô nem aí, mas morro de rir por dentro daquele monte de caras de trouxas. E o mais legal nestes dias, é que eles tem uma fome louca e começam a comer sem parar, e como estão muito estranhos deixam a comida espalhada e eu posso quebrar a mesmice daquele biscoito duro que eu costumo comer e dou uma variada com coisas deliciosas. Como não sei quem irá ler este texto, gostaria de recomendar a alguém da espécie animal que experimente chocolate se tiver a chance. É uma super invensão dos humanos. Pode ser que dê um pouquinho de dor de barriga, mas vale a pena.
Mas chegou a hora de falar sério, de falar sobre o real assunto de ter me feito escrever este textinho.
Existem na vida ensinamentos que levamos para sempre. Neste final de semana tive a sorte de poder descobrir o que é a felicidade de verdade. Fui passear num sítio com vários amigos dos meus pais. Está bem, foi sim um pouco incômodo até chegar lá. Mas também, queriam o quê? Não estou acostumado a andar de carro. No dia da viagem de ida, ainda fiquei trancado sozinho por duas vezes. Ninguém merece. Mas.... meu Deus! Conheci o Paraíso e eu nem achava que ele existia. Era tanto mato pra eu brincar, tanto inseto para eu poder treinar a minha pontaria. Eu pude fazer xixi e cocô na terra como manda a natureza. Comi picanha, muita picanha. Foi um sonho. Sei que sempre lembrarei deste final de semana como o melhor da minha vida. Mas por isso me comportei bem, acho que agradei eles com meu jeitinho mansinho de gato criado em apartamento mas que dava um jeito de aprontar sem que eles percebessem. Acho que da próxima vez rola de ir de novo. E aí quem sabe, eu conheça mais amigos. Desta vez pude ter um curto e superficial relacionamento com um gato preto. Não consegui descobrir nem o sexo dele, ficamos nos olhando, rolou um clima. Mas eu lembrava da mamãe falando: vai que ele tem um monte de sarnas e pulgas.... e só eu sei o que eu sofri para curar estas coisas quando eu ainda era um bebê. Resolvi conhecê-lo de longe e da próxima vez pode ser que eu resolva brincar com ele.
A única coisa que talvez incomode meus pais é que este final de semana ampliou muito os meus horizontes. Tinha muita gente de papo bom: Advogado, matemático, ator, publicitário, jornalista... senti que devo estudar um pouco para evoluir como gato. Estou pensando em fazer uma universidade e prestar vestibular para área canino-humana. Acho que assim, daqui a um tempo, conseguirei conversar de igual pra igual com todo mundo. Acho que é disso, deste tipo de iniciativa que depende a evolução da minha espécie.
Mas pensando bem, sou muito feliz sendo um gatinho meigo, miando, recebendo amor até de quem não gosta de gato. Arranhando as coisas, fazendo xixi onde não deve. É. Acho que vou é sossegar e curtir a minha vida de gato e guardar pra sempre este final de semana na minha curta memória.
Um super miau pra todos e até um dia.

Penélope Fonseca