TEXTOS SOBRE A EXPERIÊNCIA DO DOUTORADO
Claudia Pastore

 

UMA DEFESA DOS DEUSES

“Nossa leitura encerra-se aqui na espera do surgimento de várias outras. Eis a condição de vida da literatura”.

E foi esta a última frase da minha tão almejada tese de doutorado. Não só tão almejada como também tão odiada, tão endeusada, tão trabalhada...

Trabalho é a palavra certa para quem pretende encontrar uma definição do real significado de uma tese ou dissertação. O resto é sonho, devaneio e balela.

Mas, como toda tese é única para cada autor, tive cá os meus sonhos, as minhas viagens...

Vou me ater aos dois meses que precederam a minha defesa, ou seja, o intervalo de tempo em que você é obrigado a esperar literalmente sentado depois da entrega dos volumes até a data da cerimônia.

Nesta fase, tudo acontece. Alerto aos mais desesperados para que redobrem a atenção no trânsito, pois já soube de casos em que o doutorando simplesmente errou o caminho ou, o que é pior, bateu o carro. Mas, graças a Deus, isto não chegou a acontecer comigo. Somente ao ouvir uma música, caí no choro em pleno trânsito...

Aos casados, é muito pior do que o dia do casamento; afinal, é do padre a responsabilidade do discurso.

A minha neurose começou com a escolha da roupa. Cheguei até a consultar um livro que fala sobre cromoterapia, para saber o significado das cores, ou seja, qual a cor que iria me favorecer naquele dia. Sem contar que a respeito do dia, se 12, 19 ou 20, também inventei um ritual, mudando apenas o foco: da cromoterapia para a numerologia. Ufa! Parece que tudo estava de acordo. Eu iria de rosa, a cor do amor, no dia 19, o número da prosperidade e da inteligência.

Tudo certo, era só relaxar... Mas como?

Aí começaram os pesadelos, cheios de barrancos escorregadios, traições e atrasos do orientador! Eu acordava sobressaltada e banhada de suor.

Meu Deus! Que desequilíbrio! Preciso encontrar um ponto de apoio, alguma coisa que me tire desse sufoco.

Maratona dois: procurar terapias alternativas. Aí foi uma sucessão de cartomantes, bruxas, radiestesistas e terapeutas florais. Uma verdadeira festa esotérica; como se eu não gostasse... E ainda bem que todas falaram que eu teria muito sucesso no dia.

Mas, era difícil de acreditar. E se eu esquecesse tudo? E se ficasse doente, com cólica menstrual, gripe ou disenteria? Que tragédia...

Aí eu pensei, vou fazer um regime alimentar para que nada me faça mal no dia. Preciso ficar saudável.

Durante esse período de cruel espera, eu não comi nenhum tipo de peixe, nem carne de porco. Afinal, são as mais propensas a desencadear problemas intestinais.

Ah! Também escolhia as pessoas alto astral para conversar, caso contrário, algum tipo de energia negativa poderia atrapalhar meu tão esperado dia.

E assim foi, a cada dia eu inventava uma novidade. Tudo para diminuir o inacreditável altíssimo grau de ansiedade pelo qual vinha passando.

Depois de tanto sofrimento, de tanto cansaço físico; pois os meus músculos estavam mais rígidos do que um pedaço de cipó, eu resolvi conversar com o Mestre.

“Oh, Deus. Se for essa realmente minha missão, a de apresentar esse trabalho, a de obter o título de doutora, que eu desempenhe da melhor maneira possível, pois estou fazendo tudo isso, apenas pela sua vontade”.

Engraçado que eu comecei a ficar cansada de tanto nervosismo, de tanta ansiedade. Algo me dizia que o fato estava consumado.

Foi então que, faltando mais ou menos uma semana para a defesa, quase já despertando numa manhã de Segunda-Feira, eu ouvi o telefone tocar na minha cabeceira e pensei; quem será o chato que liga tão cedo para a casa dos outros... Eu peguei o telefone e disse com muita má vontade um alô embebido de sono e em seguida eu ouvi uma voz de homem que eu jamais ouvira em toda a minha vida, linda... Ecoava forte e sonora por toda a casa, que, do outro lado respondeu: “É Jesus”. Imediatamente eu acordei com uma leveza e felicidade dentro do peito, como jamais havia sentido. Aí eu disse para mim mesma:

“Tanto eu o chamei, que ele me ouviu!”

Como foi a defesa?

MARAVILHOSA! Melhor, impossível.

Acredite, se você chegou aonde chegou, não foi só por você ou pelo seu trabalho, foi muito mais: foi pela sua fé.