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Literatura no jornalismo: chega de ser o patinho feio!

                   A literatura no mundo é base de todas as outras grandes vertentes culturais. É a base do cinema, da música, do teatro e até mesmo das artes plásticas. No entanto, e apesar disso, é encarada com desdém e desprezo pelo jornalismo cultural, mais precisamente no Brasil. A raiz desse desprezo, não se sabe ao certo. Sabe-se, sim, que ela se incorporou de tal forma à realidade vigente que até mesmo os agentes literários parecem já terem se convencido de que é assim mesmo e que nada nunca vai mudar. Espaço nobre nos jornais, só mesmo para os grandes espetáculos musicais, para a eterna retomada do cinema nacional ou para as grandes exposições dos artistas plásticos. Para os literatos, sobram apenas as migalhas que os editores dos segundos cadernos lhes destinam. Espaço nobre, só mesmo com as bienais do livro. E se dêem por satisfeitos...
                   Acredito que já esteja na hora de subverter esse estado de coisas. Várias perguntas devem ser feitas: por que a literatura não pode ocupar o mesmo destaque que os demais segmentos culturais? Será que uma obra literária não tem público? Será que temos sempre que nos contentar com as migalhas das páginas internas ou com os suplementos específicos, que circulam uns anos e outros não? Por que intelectualizar tanto a obra literária, a ponto de torná-la inacessível até mesmo aos editores dos segundos cadernos? Por que não torná-la mais atraente para os leitores dos jornais? Afinal, se não atrai leitores de jornais, como vai atrair leitores para os milhares de livros que são lançados anualmente no país?
                   Vamos por parte, como diria o estripador.

1)   A literatura pode ocupar, sim, o mesmo espaço que os demais segmentos culturais no jornalismo brasileiro. Pode e deve. Sendo a base de toda grande arte, ela sempre vai despertar o interesse do leitor, desde que não seja noticiado como algo excepcional. Assim como o cinema nacional ganha generosos espaços para seus novos atores e diretores, a literatura não pode mais ficar refém dos nomes consagrados. Temos uma infinidade de novos autores produzindo no Brasil com qualidade dentro da média. Se não se equivalem aos "monstros" consagrados, como Jorge Amado, José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade, o mesmo acontece nas outras áreas artístico-culturais. Afinal, não é todo dia que surgem novos Caetanos, novos Chicos, novos Glauber Rocha...
2) A obra literária tem público. Muito mais do que pensam os agentes e os responsáveis pelo jornalismo cultural no Brasil. Vou citar uma experiência pessoal: no início deste ano, assumi a editoria do Correio das Artes, o suplemento literário mais antigo em atividade no país e que circula aqui em João Pessoa encartado no jornal A União. Quando assumi, o suplemento funcionava com matérias frias, contendo apenas resenhas, contos, ensaios e poemas. As capas eram sempre obras de artistas plásticos, que não tinham nada a ver com o conteúdo geral da edição. Tendo apenas um repórter para me ajudar (também poeta e jornalista) decidi, com o apoio da diretoria do jornal, a mudar essa situação. Passamos a ter - junto com as resenhas, os contos, crônicas, ensaios e poemas Ð reportagens com escritores e intelectuais que faziam algum tipo de trabalho que tivesse vinculação com a literatura. De modo, que tornamos o suplemento mais dinâmico e surpreendente, já que cada edição semanal tem uma reportagem diferente. Assim é que demos capas para nomes como Bráulio Tavares, Moacir Japiassu, Sérgio de Castro Pinto, Alexei Bueno, José Nêummane Pinto, Alberto da Cunha Melo e estamos com capas programadas com Secchin, Mário Chamie e Jomard Muniz de Brito. Além disso, fizemos um mailing list e passamos a enviar o boletim do Correio das Artes para todo o Brasil. Para completar, o suplemento passou por uma radical mudança em seu formato visual, com uma diagramação mais leve, sem abdicar do conteúdo dos textos inseridos. Resultado: o número de colaborações triplicou de todo o Brasil e até do exterior, como Portugal, por exemplo. E isso apesar de termos uma deficiência muito grande na circulação impressa do suplemento, por conta de problemas estruturais antigos do jornal ao qual está vinculado e que ainda não foram solucionados. Mas fizemos o nosso papel. Provamos que o suplemento, que sobrevivia apenas pelo peso da tradição, pode ser viável. Aqui na Paraíba, cada edição do Correio gera boa repercussão nos meios culturais, coisa que não acontecia até então. Além de dotá-lo de uma feição jornalística, continuamos abrigando todas as tendências, sem o caráter sectarista de outros suplementos literários existentes no Brasil que assumem um lado da produção literária e ignoram o outro. Ou são concretistas ou são anti-concretistas, e por ai vai. No Correio das Artes, convivem harmoniosamente, em suas páginas, tanto um Frederico Barbosa quanto um Alexei Bueno. O leitor que escolha qual tendência a seguir. À editoria, não cabe tomar partido.

3) Não devemos nos contentar com as migalhas das páginas internas. Uma obra de Carlos Nejar ou de Glauco Mattoso devem merecer o mesmo espaço que o novo filme de Walter Salles ou o novo disco de Milton Nascimento.

4) Mas para exigir mais do que migalhas, precisamos repensar a forma de ser jornalismo literário. Chega de intelectualizar tanto o texto de e sobre literatura. Editores de Cultura são pessoas ocupadas que têm três, quatro páginas para descer em pouco tempo e com o secretário de Redação pegando em seu pé. Uma coisa é o texto literário inserido em livro (onde tudo é permitido), outra coisa é o texto jornalístico sobre literatura. O leitor de hoje em dia, principalmente o leitor de jornal, também é uma pessoa ocupada, que não tem tempo para ler e conferir no dicionário o significado de determinada expressão. Vamos tornar o texto literário para jornal mais coloquial. Devagarzinho estamos começando a fazer isso com os colaboradores do Correio das Artes. Já há, da parte deles, a consciência de que o texto, quanto mais claro e coloquial, mais será entendido e mais empolgará o leitor. Um texto criativo e despretensioso (sem aquelas horríveis notas de rodapé que não cabem mais numa página de jornal) pode fazer com o que o leitor se excite a ponto de comprar determinada obra resenhada. O mesmo deve ser dito em relação aos jornalistas que lidam com literatura. Nada de pose hermenêutica quando forem falar do novo livro de Chico Buarque. O que o leitor quer saber é o enredo da obra, quanto custa, qual a editora e porque é interessante comprá-la. O resto é preciosismo que só afasta os leitores dos livros e das páginas de jornais que falam sobre literatura. Tendo essa consciência, estaremos achando solução para as perguntas seguintes. Se o que vende o disco de Caetano é uma boa resenha sobre (mesmo que seja uma crítica feroz, mas inteligível), o que vai vender a nova obra de Ferreira Gullar também será uma resenha clara e de agradável leitura.

                                                                                                                                                                                                  Acredito que refletindo sobre o papel de cada um, estaremos começando a achar caminhos para que a literatura deixe de ser o patinho feio do jornalismo cultural. Mas para isso temos que nos conscientizar que ainda estamos inseridos no jornalismo cultural como nos tempos de Machado de Assis. Parece que tudo se modernizou no mundo. Apenas o jornalismo literário parou no tempo.

Linaldo Guedes (*)
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(*)  É jornalista, Editor do caderno de Cultura do jornal A União e do suplemento literário Correio das Artes (João Pessoa/PB). É poeta, autor do livro ÒOs zumbis também escutam blues e outros poemasÓ.