CINEMA na literaturalogotipo

CINE CAMPINAS

            Hoje eu vou falar do Cine Campinas. Cadê ele? Procurei na lista telefônica, e nada. Ficou na saudade e na memória de quem o evoca, para relembrar a presença desse cinema na história da Campininha. Não sei porquê deu uma saudade danada do suntuoso cinema postado ali na 24 de Outubro, entre as ruas Rio Verde e Quintino Bocaiúva, com seus filmes atraindo os campineiros para as sessões de sonhos e fantasias. Eram filmes inesquecíveis, marcando a presença de Greta Garbo, José Mojica, Clark Gable, Cary Grant, Randolph Scott, Joel MacCrea, Roy Rogers e seu cavalo Triger, Elizabeth Taylor (agora com o seu oitavo marido), Gari Cooper, Ginger Rogers, Kim Novak, Tony Curtis e tantos outros astros que faziam a cabeça dos adolescentes, numa quadra em que não havia televisão e o rádio é que falava alto em todos os lares. Aqueles aparelhos enormes, de onde se ouvia o "alô, alô, Repórter Esso, alô", e as melodiosas novelas da Rádio Nacional, transmitidas naquelas tardes pachorrentas. Era ali, no Cine Campinas, com suas cadeiras acolchoadas, que eu me realizava nas arte/manhas do amor. O convite para a namoradinha geralmente era o mesmo: — Vamos ao cinema domingo? Ela perguntava em que sessão. A gente respondia com certo status: — Na sessão das oito. Para o cidadão campineiro de meu tempo a rotina dominical era quase sempre a mesma: missa das oito na Matriz, futebol à tarde (jogo do Atlético) e sessão das oito no Cine Campinas. Ou então, um vai-e-vem bem programado na Av. Anahngüera, em Goiânia. Mas, aí, já implicava em pegar ônibus e sujeitar-se a caminhar sozinho, porque as meninas de Goiânia não davam bola para campineiros. A gente era conhecido pelo cheiro (da poeira), pelo vestuário e o gingado malandro. Pois bem, domingo à noite, a gente estava lá, de paletó e gravata, na fila quilométrica do cinema, ao lado da namorada, de vestido longo e festivo, caminhando em direção ao guichê. Depois, na sala de espera, mastigando chiclete ou exibindo um Mistura Fina entre os dedos, naquele calor tomatérico (neologismo sacado, agora, para caracterizar o chamado calor de rachar tomates) a gente ficava preso no relógio e no olhar da menina amada. Tudo era mistério. O filme, esperado com ansiedade durante vários dias. A propaganda era feita pelo pintor Caetano, que produzia enormes cartazes e os colocava nos postes que se alinhavam no meio da 24 de Outubro. Caetano é falecido, mas seu nome ficou gravado na história das artes plásticas em Goiás, por suas obras retratando a natureza morta. Seu nome de artista: Caetano Soma. Volto ao Cine Campinas. As cenas se desenrolam na tela e nos espaços escuros do velho cinema. Quando os artistas se beijavam, era aquele delírio e assobios. Havia casais que preferiam assentar-se nos últimos bancos, encostados na parede, no escurinho. Aliás, os lugares mais procurados. A gente tinha que chegar mais cedo para usufruir desses camarotes. Domingo, além do   esperado matinê, havia duas sessões noturnas: a das oito e a das dez horas. Quem não conseguisse lugar na primeira, ficava no vai-e-vem na porta do cinema. Ali reuniam-se também os chamados intelectuais campineiros, e me vem à lembrança o nome dos amigos Hugo Schmaltz, Valeriano Ribeiro, Vivaldo Araújo, Jessé Martins Borges, Juarez Barbosa. Aliás, juntamente com esses dois últimos, foi tentada a criação de uma Academia de Letras no bairro, mas que ficou somente nas idéias e na lembrança de uma ou duas reuniões. Fincados na porta do velho cinema, procurávamos resolver os problemas universais, em longas e profundas discussões sobre temas filosóficos, religiosos, políticos e literários, e as soluções somente chegavam quando acabava a sessão das oito, esvaziava o vai-e-vem e a gente se deslocava para o Bar do Chico (de preferência) e sorvia um bom copo de cerveja. Cadê a minha namoradinha do Cine Campinas? Escafedeu-se!

José de Mendonça Teles