ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O ESCRITOR MENALTON BRAFF
em 7/12/2001
Professor, contista e romancista, Menalton João Braff nasceu em Taquara, Rio Grande do Sul, de onde saiu muito cedo para cumprir um itinerário nem sempre prazeroso por este mundo de Deus. Sua formação inicial (Ginásio e Clássico) deu-se entre Taquara e Porto Alegre, onde conviveu, entre escola e bar, com uma geração generosa, que discutia literatura, fazia discursos pontuados por goles de cerveja e queria a todo custo salvar a humanidade.

Militante da vida e da política, em 64 vê-se forçado a abandonar o Curso de Economia (na antiga URGS), desaparecendo, como cidadão, por alguns anos. Emerge, mais tarde, em São Paulo, para fazer o Curso de Letras, na Universidade São Judas Tadeu. E é na São Judas que inicia sua carreira, como professor assistente de Literatura Brasileira. Nesse período, prepara o lançamento de seu primeiro romance, enquanto termina o curso de Pós-graduação. Em todas as publicações posteriores, adota o pseudônimo de Salvador dos Passos, que abandona para a publicação de “À Sombra do Cipreste”, livro com que ganhou o Prêmio Jabuti 2000. Em novembro de 2000 lança o romance “Que enchente me carrega?”.

Casa-se com Roseli Deienno Braff, egressa da mesma faculdade e atuando em áreas afins, e que conhecera nas lides do jornal universitário, de que ambos foram colaboradores. Por razões de família e de qualidade de vida, mudam-se para o interior do estado, fixando-se em Serrana, cidade satélite de Ribeirão Preto.

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JP - Qual e quando foi o seu primeiro contato com a literatura?
MB - Meu primeiro contato foi com Peri e Ceci. Quando eu era criança, havia uma revista em quadrinhos (Edições Maravilhosas), que só trazia obras da literatura. Foi assim que me fisgaram para o José de Alencar.

JP - O que o motiva a escrever?
MB - Esta é quase irrespondível. Busca de mim mesmo, busca de meus irmãos humanos, busca de alguma coisa que se possa considerar a minha verdade. Enfim, busca. Além disso, o prazer. O prazer da descoberta, o prazer da invenção, o prazer da paternidade. Sei lá. Tudo isso e talvez muito mais.

JP - Sabemos do seu apreço por Clarice Lispector. Afora ela, quais foram as suas grandes influências literárias?
MB - Por paradoxal que possa parecer, me palpitou ser escritor quando conheci a geração de 30. Jorge Amado, Érico Veríssimo, Lins do Rego, Graciliano Ramos. Principalmente Graciliano Ramos. Quando descobri que literatura não era uma coisa de gente morta, do passado, mas que era feita por gente de carne e vísceras, como eu, então achei que tinha de ser escritor. Esta descoberta foi muito importante pra mim. Quando criança, conheci o Érico, o Jorge, e os outros davam declarações a jornais. Eram tangíveis.

JP - O que distingue essencialmente Salvador dos Passos, seu antigo pseudônimo, do hoje reconhecido Menalton Braff?
MB - Principalmente uma postura estética. O Salvador era político, talvez excessivamente político. Ou seja, ele era panfletário. Ele achava que a redenção do homem, o fim das injustiças (sobretudo sociais) passavam pela literatura. Então havia que ser muito simples, muito claro, pois era preciso atingir o leitor, era preciso comovê-lo e movê-lo para uma posição. Era uma função conativa da linguagem. O Menalton acha que a literatura não tem esta obrigação. Pode até fazer isso tudo, mas sua principal função é encantar. Texto que não encanta pode ser ensaio, tese, informação, pode ser tudo menos literatura.

JP - Falemos de "À Sombra do Cipreste", seu livro mais conceituado. Ao que nos parece, não se trata de um livro temático. Há nele uma busca estilística bastante saliente. Como foi o seu processo de composição? Quanto tempo de trabalho?
MB - À Sombra do Cipreste foi essa virada de Salvador para Menalton. Foram meus primeiros passos nessa nova postura. Acho que foram passos ainda hesitantes. Eu procurava encantar-me a mim mesmo. Só escrevi aquilo que me chacoalhasse a roseira. Os temas surgiam antes das histórias, às vezes; outras vezes surgiam depois. Mas era preciso que eu vislumbrasse o que havia por baixo da fábula. Trabalhei de 1992 a 1999 nesses contos. Um trabalho descontínuo, cheio de avanços e recuos.

JP - Na visão do autor, qual o melhor conto de "À Sombra do Cipreste"?
MB - Pô, meu, isso é muito difícil pra mim. Mas tentando responder: os contos que me deram maior prazer foram À sombra do cipreste, Terno de reis e Paisagem do pequeno rei. Espero que os outros não se sintam magoados, pois não.

JP - O que significou o Prêmio Jabuti 2000 para você pessoalmente e para a carreira do escritor?
MB - O reconhecimento alheio é muito bom. Acho que significa alguma coisa como "vá em frente que o caminho é este mesmo". Para a carreira de escritor, o prêmio foi a própria carreira. Eu não estaria dando esta entrevista sem o prêmio.

JP - Sabemos do Menalton romancista e contista. Existe o Menalton fazedor de versos?
MB - Existe. Mas o fazedor de versos é poeta familiar. Ninguém além da família sabe disso. É como a masturbação: todo mundo sabe que o menino pratica, mas ele não pode confessar, a não ser para os mais íntimos.

JP - Fale sobre as suas outras obras...
MB - Tenho um romance por aí, circulando atrás de editor. "Na teia do sol" é uma visada do que foi a ditadura não como fenômeno político-social, mas o que acarretou a um jovem estudante: seus medos e suas perdas - seus traumas. Semana passada terminei outro romance (No arquivo morto). Depois de aposentado, um homem descobre o que ele poderia ter sido se não tivesse sido o que foi. Estou com diversos contos prontos (desculpe-me a rima) e ando pensando em reuni-los em uma antologia.

JP - Uma pergunta 'manjada': como avalia a literatura brasileira de hoje?
MB - Diferentemente do que pensam os apocalípticos, acho que a literatura passa por um período muito produtivo. Vêm surgindo jovens autores das mais variadas tendências, a maioria deles com textos de boa qualidade. São dezenas, centenas de jovens que se lançam em livros todos os anos. Desta safra, muita coisa vai ficar. Você conhece o Jônatas Protes? É um exemplo do que estou dizendo.

JP - Você se classifica entre os professores "populares, mas silenciosos". Como tal, como vê a educação hoje?
MB - Não. Nem popular nem silencioso. Vejo a educação com muita apreensão. Meu otimismo vai-se esboroando. Último lugar em nível de leitura, coisa que os jornais noticiaram, não é posição confortável. O Brasil precisa investir mais em educação. O presidente vetou a filosofia no ensino médio, propõe a retirada da literatura, enfim, há no Brasil uma tendência ao pragmatismo que me preocupa muito. O Ministério da Educação está decidido a formar mão-de-obra (barata) para as empresas multinacionais, esquecendo-se de que são seres pensantes, com senso crítico, com visão de mundo, o de que mais o Brasil precisa. E o Ministro diz que poderia ser pior. Claro que poderia. Sempre pode. Mas isso não significa que não esteja péssimo. Sucatearam as redes públicas em todos os níveis de ensino. E isso é orquestração bem conhecida.

JP - O que afasta os jovens da literatura?
MB - Me parece que as mídias como o cinema e a televisão têm satisfeito a necessidade que todo homem tem de narrativa. Na medida em que os jovens descobrem que literatura é poesia, eles retornam. Contar história é uma coisa. Pode ter suporte visual, oral, pode ter muitos meios. Nenhum deles é literatura como arte da palavra. Quando se descobre que o importante não é só aquilo que é dito, mas também como é dito, descobre-se a poesia. Então ela se torna irresistível.  É um caminho complicado, mas é necessário enfrentá-lo.

JP - Que importância atribui, em sua precariedade, a veículos de comunicação alternativos como este fanzine?
MB - O que vocês fazem é talvez o melhor caminho para se atingir o jovem literariamente. Vocês são uma das principais respostas à questão anterior.

JP - Uma última palavra aos leitores do fanzine literário "ao pé do ouvido"...
MB - Só o homem planta um jardim ao pé de sua porta. Se você não quiser ter uma vida elementar como a do cavalo ou do gato, precisa cultivar seu jardim.

Jônatas Protes