ENTREVISTA DE  PAULO COELHO
“MEUS LEITORES SÃO INTELIGENTES”
O escritor brasileiro mais lido do mundo está na Espanha, desta vez como um dos palestrantes do diálogo O Valor da Palavra, um dos atos do Fórum das Culturas Barcelona 2004.
por Antonio Júnior
de Barcelona (Espanha)

No início dos anos 70, Paulo Coelho participou do movimento hippie, perambulando pelo mundo em busca de uma verdade esotérica. Com pouco dinheiro, muitas loucuras na cabeça e canções em parceria com o mítico Raul Seixas, ninguém daria um real pelas suas palavras. Trinta anos depois, a história é outra. Aos 57 anos, o escritor carioca faz parte da lista de best-sellers de dezenas de países, é membro da Academia Brasileira de Letras, acumula prêmios e condecorações (como o de Chevalier de L´Ordre National de la Region d´Honneur, França, 2000) e viaja com todos os requintes e atenções. Ele é um dos 120 escritores convidados para o Fórum das Culturas Barcelona 2004. Incluído no debate O Valor da Palavra (El Valor de la Paraula), organizado pelo Pen Club catalão, que conta também com o perseguido Salman Rushdie (Versos Satânicos), falará hoje, d ia 18, no Centro de Convenções. Para ouvi-lo defender a liberdade da palavra, o interessado desembolsará 65 euros.

AJ – Muitos estrangeiros acreditam que você é de origem espanhola, porque algumas de suas novelas tem a Espanha como cenário...
PC – Sei disso. Já me perguntaram algumas vezes. Fico feliz porque gosto da Espanha, falo muito deste país e tenho afinidade com ele, porém sou brasileiro e vejo o mundo como brasileiro. Vivi em Madri seis meses, depois de minha peregrinação a Santiago e foi uma temporada lúdica. Sou também apaixonado pelas touradas. Mas jamais perderei minha raiz, minha identidade brasileira.

AJ – Mesmo com todo o repúdio de muitos de seus colegas, intelectuais e críticos literários.
PC – Não me preocupo. Estou pouco ligando para tais comentários. É uma atitude natural, afinal comecei a publicar aos 40 anos e logo me tornei um grande êxito. Eles não se conformam e pode ser também que seja somente inveja. Não faço parte de nenhum grupo, tenho meus leitores e sou Paulo Coelho, um escritor best-seller com a ajuda de Deus. Sei também que não há um sucesso eterno e apenas tenho medo de perder a naturalidade, porque o leitor não aceita fórmulas, não quer repetições. Tenho que escrever sobre os temas que me preocupam, e não sobre as coisas que os outros gostariam ler. Meus leitores são inteligentes. Se eles encontrassem uma fórmula em cada livro, já teriam me abandonado. Eu mesmo me surpreendo sempre com o que escrevo, e isso é o que dá vida ao texto.

AJ – Por que não aceita ser classificado como escritor de literatura esotérica.
PC – Porque meus livros são diferentes deste tipo de literatura. Não brinco com a inocência das pessoas. Eu falo da magia das pessoas comuns, do cotidiano. Meus personagens lutam e enfrentam provas iniciáticas para seguir vivendo. Tenho uma técnica, um estilo que busca a simplicidade, procuro ser direto sem ser superficial. Não desaprovo quem bebe, fuma ou se diverte. É que as pessoas sempre procuram situar o novo com um modelo conhecido. Já fui comparado com Castaneda, Gilbran e Stephen King. É algo que não posso controlar. O que sei é que sou um escritor.

AJ – O que procura ao escrever uma novela:
PC – Descobrir-me. Tenho uma inquietude, uma maneira de viver a vida, e ao escrever a compreendo melhor.

AJ – Tem sido muito homenageado e condecorado. Gosta de ser homenageado:
PC – Seria uma hipocrisia dizer que não, porém a melhor homenagem é o leitor. Todos os prêmios que recebi foram dados pelos leitores.

AJ – Se sente vaidoso por ser o autor de língua portuguesa mais lido no mundo nos dias de hoje.
PC – Sinto que é uma grande responsabilidade. Procuro, em todos os países que visito, falar um pouco dos autores de língua portuguesa. Entretanto, penso que a literatura lusófona está ficando cada vez mais conhecida. O Nobel de Saramago ajudou muito.

AJ -  Poderia recordar um autor brasileiro que você sempre cita nas suas entrevistas e palestras fora do Brasil.
PC – O Jorge Amado. Eu o admiro, sempre foi um dos meus escritores favoritos. Ele e o argentino Borges. Eu creio no que dizia Borges, que somente há quatros histórias para narrar: a de um homem e uma mulher, a da luta pelo poder, a do triângulo amoroso e a de viagem. Fico com a última, pois viajando é onde se aprende a ser tolerante  e aberto para todas as coisas deste vasto mundo.

AJ – Participa de um Fórum que fala de paz e solidariedade num mundo marcado pela ganância e pela violência. O que pensa deste evento.
PC – É uma proposta positiva, que poderá trazer bons resultados. Vivemos em mundo cheio de padrões de condutas: padrões de qualidade, de beleza, de eficiência, de sabedoria. Acreditamos que existe um modelo para tudo e que seguindo tal modelo, estaremos seguros. Não é verdade, o certo é que vivemos num mundo bastante perigoso, mas também muito rico, que ainda permite que as pessoas se aproximem, troquem impressões. Creio que é preciso uma preocupação com a espiritualidade, pois esta preocupação leva a solidariedade, e não ao egocentrismo, como muitos querem fazer crer.

AJ – Você está rico.
PC – Dizem que sou o segundo escritor mais lido do mundo... Mas a grande riqueza é saber que posso ter meus livros publicados. E ganhar dinheiro com seu sonho é algo muito especial, que respeito.

AJ – A maioria dos escritores não encontra tempo para escrever, pois precisa trabalhar noutras tarefas para pagar contas. Não é o seu caso, óbvio. Sua vida é um sonho.
PC – Vivo um sonho, porém o sonho de cada um implica desafios. O sonho de um escritor é um desafio permanente. Assim que terminar de falar com você e todos os seus colegas, vou para o computador terminar uma coluna para um jornal do nosso país e logo será a hora da palestra. É um desafio. Mesmo vivendo o nosso sonho, nada é fácil.

Enviado por Antonio Júnior, em 18/05/04