Museu da Inconfidência, prédio onde se sediava a antiga Casa da Câmara
e Cadeia, na época da rebelião mineira. Na foto, o "Panteão dos Inconfi- dentes", local onde se encontram os restos mortais dos participantes do movimento da Inconfidência Mineira, repatriados em 1936, por ordem do governo de Getúlio Vargas.
Fonte: http://www.degeo.ufop.br/Portugues/OuroPreto/mi_galer.htm
TIRADENTES
Sou Tiradentes! Vês? Mas nada temas.
Surjo do lodo podre da charneca
Trazendo do passado velhos temas
Ao silêncio mortal da biblioteca.Pois se eu morresse agora, será que o sonho
Que não Pôde dar forma e qualidade
Seguiria a vagar, leve e medonho,
Na solidão sem luz da eternidade?Um Napoleão vaidoso cuja glória
Exige um sacrifício da nação
Dele, mais tarde, há de falar a História!
De ti, soldado ignoto, que dirão?Que vale a morte em campos de batalha,
Ó soldados anônimos em rol,
Se ao depois, cobertos de mortalha,
Jamais tereis sequer lugar ao sol?Fora sabida a imensidão do nada
Que borra a voz do artista sem sucesso!?...
A boca dos aplausos vai calada
Galopando no tempo, sem regresso.Vós, herõis sem estátuas, sem abrigo,
Humildes, tantos anos desnorteados,
Artistas sem lauréis, sois, no jazigo,
Gestantes cujos partos são adiados!O tempo arquivo, soberano e mudo,
Arquiva a força e a beleza alada.
Aprende, amada, que recusas tudo:
O tempo só faz velhos e mais nada!...
TIRADENTES NO CADAFALSO
El Rei que se diz bondoso,
Propôs comutar-me a pena...
Vêde, minh´alma serena
Não faz conta do perdão."Cem arroubas! Cem de ouro!"
Vêde: O povo se alevanta,
Não suporta carga tanta,
E a isso, chamam traição.Dizei, àqueles senhores,
Que aceito a minha sentença,
Que imbuído desta crença
Não me arrependo sequer.Ora, se o perdão viesse,
Rebelaria meu povo.
Tudo faria de novo:
Me orgulho deste mister.Findo meu prazo na terra
Não partirei esquecido
E este povo reunido
Um dia vos julgará.Que fale a voz da consciêcnica
No Júri da Eternidade!...
Eu busquei a Liberdade,
Meu testemunha é Jeovah.Para a Corte Portuguesa,
Não passo de um verme astuto,
De um salafrário corrupto,
De um pregador da traição.Mas ao mineiro sofrido,
Cujo miséria contemplo,
Meu sacrifício é o exemplo,
É o germe da rebelião.Vós me condenais à forca
Imputando morte vil,
Mas morrer pelo Brasil
Não é castigo — é troféu!...Esta honra não declino.
Rodedado do azul cobalto,
Na forca, expiro mais alto,
Bem mais próximo do céu...Por tantos anos sem rumo
Hei de morrer pendurado,
Mas esqueceis, Magistrado,
Que o enforcado morre em pé?Não compreendeis o nativo.
Se amar o Brasil for crime,
A consciência me redime
Na fortaleza da fé!...Cortem, chibatem meu corpo,
Mas as roxas cicatrizes
Vão se enchendo de raízes
Se abraçando na amplidão.Traz meu sangue em cada gota
A marca das cordilheiras
E são bombas sobranceiras
Destronando a escravidão.A vida não se combate
Unchando o chicote e a espada,
A idéia audaz sobrenada
Às mordaças da prisão.Antes que a vida me escape,
Dir-v-s-hei, por ironia,
A corda que me asfixia
Mata o corpo, a idéia, não.Não se ataca — (e vós sabeis,
Parvos lobos de alcatéias)
A enxurrada de idéias
Com a peneira das leis.Pelo contrário, filtradas,
Correm livres, sem assalto,
E por gritarem tão alto
ROMPEM TÍMPANOS DE REIS.Miguel Russowsky
Do livro: "O Julgamento de Tiradentes" (teatro em poesia, de caráter épico), Livraria do Globo, 1980, POA