A Inconfidência

Grande foi a repercussão que tiveram os hinos entoados pelo povo americano, quando descansou as armas com que valentemente pleiteara a sua autonomia, constituindo-se em nação independente, e hasteando, com orgulho, o pavilhão estrelado. Moços brasileiros, que cursavam a universidade de Coimbra, discutiram a possibilidade de fazer-se a independência do Brasil; e, em Montpellier, vários patrícios nossos, estudantes de medicina, tiveram o mesmo pensamento, indo um deles, José Joaquim da Maia, expor as suas idéias ao grande Tomaz Jefferson, então ministro plenipotenciário dos Estados Unidos em Paris.
Maia faleceu quando pensava em voltar à pátria; veio, porém, Domingo Vidal Barbosa, chegando a Minas quando essa capitania sofria com o governo de Luiza da Cunha de Menezes, tão duramente tratado nas Cartas Chilenas de Alvarenga Peixoto. pouco tempo depois, chegava à capitania martirizada José Álvares Maciel, filho do capitão mor de Vila-Rica, formado em filosofia.
A chegada desses dois brasileiros ilustres trouxe novo alento aos que em Minas sonhavam com a liberdade, e logo se pensou em um levante, caso o governador de então, o capitão general visconde de Barbacena, intentasse executar as ordens que trazia da corte, para fazer cobrar, por meio de uma derrama geral, grandes impostos devidos ao tributo do ouro.
Entraram no conluio, além dos mencionados, os poetas Cláudio Manoel da Costa e Inácio José de Alvarenga Peixoto, sendo também apontado o desembargador Tomaz Antônio Gonzaga; aparecendo mais tarde, para de futuro avultar como principal figura, o alferes de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, por antonomásia o Tiradentes, por ter exercido a profissão de dentista. Depois de abandonar essa profissão, lançou-se a mascatear; sendo, porém, mal sucedido, assentou praça, conseguindo ser promovido a alferes; pensou em fazer-se mineiro, mas a sorte não lhe foi favorável e deixou-se estar no seu posto.
Reuniam-se os inconfidentes na Varginha, onde não só concertavam os planos do levante, como discutiam os emblemas que deviam servir de padrão à pátria independente.
O que mais a peito tomou a idéia foi o Tiradentes; alguns até, pouco depois, pareciam arrependidos de se haverem deixado arrebatar pela utopia, e todos trataram de abandonar Vila-Rica. O Tiradentes, porém, sempre dominado pela idéia santa, partiu para o Rio de Janeiro, conseguindo, para os gastos da viagem, um empréstimo. Cresceu o número dos inconfidentes, e  a causa ia ganahndo adeptos, quando Joaquim Silvério dos reis, coronel de um regimento, deu a primeira denúncia ao governador, buscando assim conquistar-lhe a simpatia que de muito lhe havia de servir; outros delatores apareceram: Basílio de Brito Malheiro e o mestre de campo Inácio Correa Pamplona.
Astuciosamente, o governador fez expedir a todas as câmaras da província uma circular sustando o lançamento da derrama. Com isso muito desconcertados ficaram os conjurados, não porque suspeitassem da manha, mas porque perdiam o ensejo do levante. Andavam as coisas assim na capitania, e o Tiradentes no rio era seguido e vigiado, até que o vice-rei mandou aviso ao visconde de Barbacena de que se escapara do rio, sem passaporte e com armas, o alferes Silva Xavier — notícia essa falsa, porque, dias depois, foi o alferes encontrado no sótão de uma casa da rua dos Latoeiros.
Foi então que o capitão mor mandou que se efetuassem as prisões, sem alvoroto, para não causar escândalo. E foram presos Gonzaga, Alvarenga e o vigário Toledo; depois Cláudio Manuel da Costa e outros. Cláudio Manuel da Costa, já com sessenta anos, ressentiu-se tanto do interrogatório, que se suicidou na prisão em que o deixaram.
A 18 de Abril de 1792 foi proferido o acórdão condenando à forca, com infâmia, o Tiradentes, Alvarenga, Freire de Andrade, o Dr. Maciel, Abreu Vieira, Vaz de Toledo, Vidal Barbosa, os dois Rezendes, pai e filho, Amaral Gurgel, Oliveira Lopes. As penas foram, porém, comutadas em degredo, devendo apenas padecer a morte o Tiradentes, por ter sido, pelos juízes, considerado o cabeça.
E foi assim frustrada, com prejuízo de uma vida e sacrifício de tantas outras, a primeira tentativa de independência da pátria.




O martírio de Tiradentes

Sentenciado à morte, o alferes Joaquim José da Silva Xavier subiu ao patíbulo na manhã de 21 de Abril de 1792. Toda a tropa em armas, os infantes e os cavalarianos, pareciam estar prestando homenagem ao que ia morrer; as cartucheiras estavam abarrotadas para que não se atrevesse alguém a defender o réu de tão nefando crime.
O povo, curioso, deixava as casas, acudindo precipitadamente à praça da Lampadosa, onde devia ter lugar a execução; havia gente às janelas, nas árvores, pelos telhados, e, posto que fosse de dor a cerimônia, as fisionomias apareciam satisfeitas: era um interessante e raro espetáculo; ninguém queria perdê-lo: daí, a azáfama com que corriam ao sítio onde fora levantado o cadafalso.
 Às onze e meia da manhã, que um formoso sol alumiava, com aparatoso acompanhamento apareceu na praça o Tiradentes. Vinha sereno e altivo: a morte não lhe arrefecera o ânimo nem lhe desmaiara a cor do rosto amorenado.
Ao vê -lo, o povo não se mostrou compadecido: maior era a curiosidade do que a misericórdia. Um sacerdote ouviu-o, dando-lhe a beijar o crucifixo; e quando o carrasco, revestindo-o da alva, lhe pediu perdão da morte, o mártir, meigo e sereno, disse: “—Oh! Meu amigo! Deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés: também o nosso Redentor morreu por nós.” E sem mais palavras, com os olhos pregados no crucifixo, entregou-o ao algoz.
Para fiel cumprimento da sentença, foi espostejado. A sua cabeça, fincada num poste, esteve exposta na praça principal de Vila Rica (Ouro Preto), justamente no sítio onde foi levantada a estátua do heróis, a expensas do governo de Minas, depois da proclamação da República; os seus membros foram espalhados, e ficaram testemunhos do poder e da justiça d’El-Rei.
Mas as gotas de sangue do heróis não caíram em terreno estéril, porque a árvore de sacrifício se fez árvores de redenção, e a República é o fruto da semente de martírio lançada à terra nessa manhã de Abril.

 Coelho Neto e Olavo Bilac

Do livro: "A Pátria Brasileira", Ed. Francisco Alves, 27ª edição, 1940, RJ

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