E Se Tiradentes Tivesse Triunfado?

 Nossos livros de História já nos cansaram de contar o martírio do Alferes. Já sabemos que ele foi o chefe de uma conjuração que abortou por causa de um traidor, seu principal líder foi enforcado e esquartejado e os seus companheiros, degredados para a África. Contudo, ninguém ainda se deu ao trabalho de perguntar: e se eles tivessem sido vitoriosos? Obviamente jamais se saberia tudo o quanto teria ocorrido acerca do nosso destino como nação, mas não é nenhuma leviandade levantarmos algumas hipóteses e até mesmo deduzir alguns fatos que teriam sido absolutamente consumados. Seríamos, por exemplo, uma nação desenvolvida, como os Estados Unidos, já que um dos ideais dos Inconfidentes era baseado nos da Revolução Francesa que, por sua vez, sofreu enorme influência da independência norte-americana? Ou estaríamos na condição de uma das atuais repúblicas que antes eram colônias espanholas? Seríamos, por exemplo, uma Argentina? Uma Colômbia? Um Paraguai? Uma Venezuela? Um Chile? Ou nada disto? A principal certeza é a de que nunca seríamos um “Brasil” tal qual é o de hoje.

A família real portuguesa jamais teria vindo para cá e, conseqüentemente, nunca teríamos tido aqui a capital do Reino Unido a Portugal e Algarve. Então, poderíamos considerar como praticamente certo que não teria havido uma integração nacional do ponto de vista político, geográfico e lingüístico, desde o Oiapoque até o Chuí, como, de fato, existe agora. Outra conseqüência decorrente desta mesma suposição seria, no mínimo, um atraso enorme do nosso progresso, pois foi graças à vinda do regente portuga que o Brasil passou a contar com inúmeras mudanças importantes, tais como condições comerciais mais favoráveis, criação de escolas como a Academia Real Militar, a Academia da Marinha, a Escola de Comércio, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, a Academia de Belas-Artes e dois Colégios de Medicina e Cirurgia, um no Rio de Janeiro e outro em Salvador. Foram também fundados o Museu Nacional, o Observatório Astronômico e a Biblioteca Real, cujo acervo era composto por muitos livros e documentos trazidos de Portugal. Essa última editou obras de vários escritores e traduções de livros científicos.

Um outro fato indiscutível: jamais o Brasil teria sido uma monarquia. Isto seria bom ou ruim? Qualquer resposta afirmativa ou negativa seria nada mais do que mero maniqueísmo. Entretanto, pode-se ter uma idéia do que teríamos sido sem o império. A Guerra do Paraguai provavelmente não teria acontecido, pois segundo alguns historiadores ela teria resultado de um capricho de Dom Pedro II contra as bravatas de Solano Lopez. Por outro lado, a fragmentação do território brasileiro em dezenas de republiquetas seria inevitável, simultaneamente com muito derramamento de sangue dos próprios brasileiros. Balaidas, Farrapos e Canudos teriam se disseminado como pólvora por todo o território nacional e, quiçá, perdurassem até os dias de hoje. Dificilmente o Sul, o Sudeste, o Norte e o Nordeste deixariam de ser estados independentes, embora em constantes conflitos entre si. Na opinião de quem escreve este texto – suspeitíssima, diga-se, já que não é historiador nem adivinho – não teríamos tido três séculos e meio de escravidão.

Mesmo descontando-se os fatos importantíssimos determinados pela transmigração da família real para cá e pelo breve reinado de Dom Pedro I (IV de Portugal), se a Conjuração Mineira tivesse vencido, o Brasil de hoje poderia ser qualquer coisa, exceto o que é, de fato, pois de acordo com Mendes Fradique, Dom Pedro II fez tudo durante o seu reinado de meio século — menos a barba.

Raymundo Silveira

« Voltar