A força da arte

Acontece que eu sou difícil de se seduzir. Não que eu tenha aquelas coisas de me fazer de difícil ou de gostosa. Nada disso. Mas eu tenho pressa, sabe? Eu corro tanto, ainda que muitas vezes não saiba o porquê ou o pra onde, que fica mesmo complicado me pegar. Então, a sedução comigo não compete aos de andamento mais lento ou normal, que é o que está na média, o medíocre, ainda que medíocre possa parecer pejorativo, quando não o é. Me seduz o herói em rompante, o estabanado que tropeça em minha pressa, o visionário que está à minha frente, o louco que berra comícios, o artista das grandes artes, do exagero, da
inteligência além do comum, o todo poderoso da presidência, o que dá ordens, os coelhos dos países das maravilhas.
Eu tenho este amor que morreu oito vezes antes de agora, por quem fui seduzida pela rapidez e fluidez de seus pensamentos. Cada vez que morreu, saí porta a fora, esperneando, gritando feito louca e o ressuscitei no boca a boca, ou com pancadas fortes no peito, UTI, paramédicos, etc., porque bem sei eu a dificuldade que seria ser seduzida de novo e devo confessar, o ser seduzida, em si, é uma idéia que me seduz. Mas esta nona vez em que este amor morre, feito o nono fôlego de um gato, algo diferente acontece, que eu me vejo plácida, com a calma de quem sabe quenão há sentido em continuar lutando, com a lucidez de quem entende o verdadeiro significado das palavras alívio, descanso e paz, como quando a gente vê alguém que estima definhandopor anos e chega a desejar que ele morra. Não saí desta vez em busca de aparelhos ressuscitadores, estou sentada na cadeira do escritório e não deixei desta vez, documentos e relatórios se acumularem sobre a mesa e a não ser por esta
breve pausa para reflexão, mantive minha rotina intacta. Ah, mas que quando a gente assiste do barco um amor tão grande assim se afogar, sem que o lancemos uma bóia ou uma mão, não é só o seu definhar, que nos causa horror, a razão de nosso quase sadismo. Há de haver algo mais precioso por trás. E há.
Como deixei claro, sou uma pessoa difícil de cair nas tramas de uma paixão e, repito, não que me caiba o título de mulher fatal ou musa pregada em pedestal, mas por que sou tonta e não me atenho a detalhes sutís... A pressa, lembra? Pois bem...
Eu não fazia idéia da força de um poema e uma foto. Não sei se a força vem da foto que alimenta o poema ou se do poema que melhora a foto, mas força há. Publicaram um poemeto meu em uma revista, que pelo visto é muito frequentada e lida, faz alguns dias, e colocaram minha foto na chamada. Tenho sete diferentes emails e todos com uma função definida. O email que dedico ao meu gosto pela literatura, foi o email que saiu junto ao poema e à foto e que normalmente recebe por dia, uma média de 25 mensagens. Um dia após a publicação entretanto, a minha caixa postal contabilizava 102 mensagens. Não sei de onde partiram, nem mesmo se vieram do tal poema publicado, mas todos estes emails, sem exceção, eram de alguma forma relacionados aos versos expostos na internet, ou à emoção que tais versos poderiam provocar. Os versos publicados, foram de um poema chamado "poema-bomba", que é um desabafo irado e dorido de quem ama sem ser amado. Não posso afirmar que as cartas
tenham sido inspiradas pela leitura do poema na revista, por que os remetentes, em sua maioria absoluta, não se identificaram, senão por seus nomes, e nem tiveram o cuidado de esclarecer por que meios obtiveram meu endereço eletrônico, mas acredito que havia de ser coincidência além do provável, que no mesmo dia do ano, um dia após a publicação do poema, quase oitenta poetas tivessem descoberto meu endereço e tivessem decidido me enviar seus versos inspirados em um mesmo tema. Bem, nem importa de onde partiram ou se Deus está brincando de poetar, por que não vim tentar explicar coincidências ou o divino, vim
dizer da sedução e da morte nona de um amor.
Duas cartas me impressionaram além do normal. Duas cartas me tocaram além da habitual sensibilidade e do gosto pela poesia. Uma, em português, vinda do endereço Joao.Do.Carmo, que veio com um poema belíssimo anexado, que me chamou demais a atenção pela beleza de sua arte e outra, com o endereço de IvanElsa, que estava em espanhol e que me fez parar de imediato a minha pressa, embora que apenas pelos segundos em que li os versos e alguns outros após. Respondi as duas cartas quase ao mesmo tempo, ao senhor do endereço joao, eu teci elogios aos versos enviados e ao endereço Ivan eu fiz a
seguinte pergunta: Quem é você? .
Saída do breve transe, voltei à correria de costume. Mas eu quero deixar claro, que estes segundos de breve transe não são corriqueiros e nem estou a eles habituada. Outra vez, quero fixar a idéia de que muitas vezes até atropelo coisas boas, desperdiço oportunidades, perco chances, por causa deste meu jeito estabanado de chegar correndo sabe Deus onde.
O fato destes dois poemas terem me feito parar não é, de maneira alguma, algo que deva ser levado sem o mérito e destaque que de fato merecem em meu estilo de ser.
O dia passou, e o amor que estava lá dando seus últimos suspiros, continuou em seus derradeiros momentos de final de ato e quase eu já me levantava em seu auxílio, quando recebi a segunda carta do endereço IvanElsa, que também era um poema, que era um poema chamado 'Quem é você?" , que era a mesma pergunta que enviei em minha resposta.
Sou uma mulher difícil de se seduzir. Me seduz o herói em rompante, o estabanado que tropeça em minha pressa, o visionário que está à minha frente, o louco que berra comícios, o artista das grandes artes, do exagero, da inteligência além do comum, o todo poderoso da presidência, o que dá ordens, os coelhos dos países das maravilhas. Ivan, parou pela segunda vez meus passos apressados, por que me esbofeteou e me obrigou a parar. Me deu porrada. Sabe, a arte que veio do endereço Ivan, me seduziu em duas únicas tentativas.
Surpreendente em seu talento único, em sua grandiosidade, em seu brilhantismo e claro, em sua paixão notável. Se espremo o poema nas mãos, sangra. O passional, a emoção que carrega, ultrapassa a técnica em uma escala tão gigantesca, que chega a assombrar.E eu, que ando em correria, fui jogada tão brutalmente dentro da alma deste homem que estou aprisionada. E daí, que não posso socorrer mais o amor em sua nona morte. Não posso mais sair em seu socorro.
A arte, sabemos, é sexo, é tesão, é o instinto puramente animal da paixão humana, que
não é polida, não é e nem pode ser tolhida, contida ou ignorada. Arte é essência, fogo, a única coisa que realmente nos faz indivíduos e ímpares. E por isso, não se separa a arte do homem. A arte é o homem, que é a arte. Meu herói em rompante a me seduzir, meu louco berrando comícios foram dois poemas. Estou amando dois poemas e se não se separa o poema do poeta, estou enlouquecidamente amando o homem por detrás do endereço Ivan, que não sei quem é, mas cuja paixão conheço profundamente. É a mesma que a minha. No instante em que li Ivan, fomos um.
O meu amor suspira agonizante pela nona vez e, como o felino, parece que este será de fato seu último fôlego. Parece que as cortinas vão se fechar, que este amor não acompanhou a minha correria, cansou no meio do caminho, não teve forças, nem vontade, nem preparo físico, nem saúde. Eu sou uma mulher como qualquer outra, que precisa ser seduzida todos
os dias, todos os dias, todos os dias, todos osdias, feriados, dias santos, de semana ou fica com fome, fica aquela sensação de vazio aqui, bem na boca do estômago e não é porque tenho pressa, mas porque tenho tesão, tenho arte.

Patrícia Evans

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