OUTRA VEZ
            Nasci sob o sol feminino. Ainda no céu, Jesus me avisou que seria meio complicado. Sua mãe vivera na pele as restrições que o sexo trouxe. Decidi, mesmo assim, arriscar. Nunca tive medo de desafios. Fui posta em um ventre pouco aconchegante.Toda noite parecia terremoto. Meus recém-formados ouvidos conheceram a trilha sonora de todas as boates da cidade. Meu primeiro choro foi em ritmo de Night Fever do Bee Gees.
             Colocaram-me em uma roupa rosa, porque eu era menina. Sempre achei cafona cores pastéis. Derramei rios de lágrimas, ao perceber que não poderia fugir da minha sina. Todo o meu guarda roupa era composto de macacões de gosto duvidoso. Meu irmão gêmeo parecia não se incomodar com seus azuizinhos. Eu não via a hora de crescer e usar roupas pretas como minha mãe.

            Quando veio minha primeira regra, descobri que a dor da cólica era o castigo biológico por não termos reproduzido. Quando dei o primeiro beijo, desenhei corações no caderno e ele nunca mais falou comigo. Bem que me avisaram...

            Achei melhor não desistir e até casei. Ele não era tão bom quanto deveria ser, mas dava para o gasto. Tive filhos que mamaram, deseperados, em mim. Arranjei um emprego e fui muito bem sucedida. A menopausa chegou avisando que meu tempo estava se esgotando.

            Agora, que voltei, só posso dizer que tenho uma certeza. Jesus é tão machista quanto os outros homens e é por isso que nunca vai recomendar nascer mulher. Voltaria às minhas roupas cor de rosas,quantas vezes fosse necessário. Nunca fui tão feliz quanto naquela época. Mesmo assim acho que as condições femininas são tantas, que todas as mulheres são santas e deviam me fazer companhia, aqui no céu.

Renata Belmonte

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