TIRE SUAS MÃOS DE MIM (*)
Acordo com o corpo dolorido, tenho dificuldade em abrir os olhos, as pernas queimam sob o lençol e não consigo sentir meu braço esquerdo.
"Tire suas mãos de mim
Eu não pertenço a você"
Levanto quase me arrastando, meu filho entra correndo e abraça minhas pernas, solto um gemido de dor. Ele me encara, seu olhar é de terror, seus olhos se enchem de lágrimas e ele volta cabisbaixo para seu quarto.
"Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?"
Vou pro banheiro e ligo o chuveiro quente, fico ali por muito tempo sentindo a água lavar minha vergonha de ser tão inútil, tão incompetente, tão sem reação.

Meu filho bate na porta e pergunta se está tudo bem, eu digo que sim, mas a cada lugar machucado que a água chega: solto mais um gemido. As lágrimas agora tomam conta do meu rosto, aos poucos começo a soluçar, em pouco tempo choro alto, soluços de dor e de agonia.

"Você pode até duvidar
Acho que isso não é amor."
Lembro das últimas palavras que ouvi antes de perder o sentido:

—  Tome sua vagabunda, já não falei pra não querer tomar conta da minha vida? Eu gasto meu salário onde quiser, eu trabalho, eu ganho, eu gasto!

Por que eu insisto em não obedecê-lo? Por que insisto em tentar ser feliz? Tentar mudá-lo?

"...Pra quê nosso egoísmo
Não destrua nosso coração."
Eu era tão feliz, namoramos tanto tempo e eu nunca percebi esse temperamento violento. Éramos o casal mais apaixonado de nossa turma. Nos casamos e tivemos uma linda lua de mel, tudo bem que ele sempre demonstrou ciúme, mas, ciúme é amor, não é?

Tudo foi perfeito, mas eu resolvi ter um filho. É como ele dizia: Filho para que? Somos felizes os dois apenas.

Eu o desobedeci. Foi minha primeira surra. Merecida!

"Brigar pra quê
se é sem querer
Quem é que vai
Nos proteger?"
E agora? Eu devia ter tomado meu anticoncepcional direitinho, fui esquecer justo agora que estamos com tantas dificuldades financeiras. Não acredito no que dizem: ele não tem outra família, é inveja desse povo que se alegra com a desgraça alheia - ele sempre me diz isto.
"Será que vamos ter que responder
Pelos erros a mais
Eu e você?"
Meu Deus! O que é isso agora? Tem sangue em minhas pernas! Acho que não precisarei mais voltar  àquela curandeira, meu bebê fugiu de susto!

Vera Vilela

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(*) Versos incidentais da letra da música de Renato Russo - "Será"

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