Colocando mais lenha

Junho e julho lembram logo arraiais juninos, com balões e fogueiras; ambos, porém, são espécies em extinções — eles por representarem grande perigo para a rede elétrica (falando-se em rede, fogueira também é um peixe brasileiro); elas por requererem paciência, tempo e muita habilidade na montagem. Existe uma bastante famosa, por ter entrado no livro dos recordes como a maior do mundo: é a baiana de Caruaru, acesa na noite da véspera de São Pedro, com 17 metros de altura, levando 48 horas para se extinguir, armada no Pátio do Convento dos Capuchinhos — talvez para transmutar a lembrança das sinistras fogueiras das Inquisições, embora, conversando com um amigo daqui outro dia, ele me comentou sobre uma teoria teológica pessoal interessante: que na Idade Média não se queimou ninguém, só na Contra-Reforma — argumento no mínimo instigante, que  me motiva até a pesquisar posteriormente mais sobre o assunto.

Modernamente uma outra espécie também ganhou fama e prestígio: a utilizada como importante exercício vivencial, em qualquer época do ano — anda-se sobre as chamas, como prova de pleno domínio de si mesmo (os yogues já faziam isso, através do poder da mente não se deixavam afetar pelo calor, frio ou fome). Você acaba com condicionamentos interiores e passa a ser outra pessoa a partir daí porque, vencido o desafio, seu medo vira cinzas. Ômar Souki, com quem venho recentemente trocando mails, usa freqüentemente esta prova final em seus cursos, falando entusiasticamente deste método em seu livro “Acorde! Viva seu sonho! — A magia da palavra em suas mãos”. Eu nunca andei em brasas (pelo menos sobre fogueiras), mas, bem antes de travar conhecimento com a PNL, vi nosso caseiro de Mauá repetir três vezes o trajeto, calmamente, de cá pra lá, de lá pra cá, de cá pra lá. Só fazia isso nas fogueiras das noites de S. João e S. Pedro, mais ou menos à meia-noite. Era uma espécie de ritual pessoal, de homenagem que ele prestava aos seus santos de devoção, enfim, era uma de prova de fé. Por isto se tornava um espetáculo tão impressionante; nos sentíamos pequenos diante daquele homem humilde — nós, mulheres e homens de pouca fé e/ou muito medo.

Hoje em dia, até porque há cada vez menos festas (inclusive juninas), também estão sumindo as fogueiras, que eu adoro. Quando compramos a casa de Maricá achei que veria muitas delas na região, tochas iluminando as noites de inverno rigoroso. Não vi. Aqui, em vez de inocentes e alegres fogaréus só há queimadas e incêndios — dolosos ou culposos, mas sempre criminosos. Uma tristeza. Sem portas nem janelas, no início da construção, e com um mato gigantesco crescendo ao redor do nosso “castelo” (igual àquela cantiga de roda da Bela Adormecida), a fogueira era o modo de unirmos o útil, ao belo e ao agradável: afugentávamos mosquitos, nos reuníamos perto daquele calor aconchegante e ficávamos recordando histórias, falando da vida ou filosofando sobre as cores das próprias chamas — vermelhas, amarelas, verdes, azuis e quase negras, dependendo do tipo de toco de madeira, de papel ou de saco plástico que queimávamos. A fogueira ardia à nossa frente e, meio que hipnotizados, por dentro ardíamos misteriosamente também, talvez tentando nos lembrar dos fogos ancestrais, em tempos imemoriais perdidos nos séculos.

Já não montamos fogueiras com tanta freqüência como no início, mas sempre armamos pelo menos uma grande, em junho, e chamamos alguns vizinhos para saborear batata doce, milho assado, mandioca, quentão, enfim tudo o que o fogo traz de bom ao paladar. Pois foi na festa junina do ano passado (2001), que ouvi algo que me emocionou profundamente, uma das maiores demonstrações de amor à natureza, vinda através de uma criança de uns oito anos de idade: vendo o pai apontar uma pistola de lágrimas de Nossa Senhora, pronto para dispará-la "contra" o céu, o menino gritou extremamente aflito: — "Pai, pai, cuidado com a lua"...

Depois dessa  maravilhosa preocupação, e de tanto lirismo, nem foi preciso colocarmos mais lenha na fogueira... nossos corações foram dormir em paz, docemente aquecidos.

Leila Míccolis
 


 
 

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