DO AMOR
O amor depende
de condições. Exige duas pessoas. Nem uma, nem três,
quatro, cinco. Seu número fixo é dois.
Exige coincidência
de duas vontades. Mútuas. Não uma que dá, outra que
recebe. Ou o contrário. Tem de haver recíproca vontade. Mão
dupla. Nem atração. Mas vontade mútua.
Se há
possuidor e possuído, não há amor. Mas sado-masoquismo.
O amor não
é infeliz, quando ativo. Amor existente, e infeliz, é contradição
de termos. Como um quadrado redondo. Se há amor, há felicidade,
instantânea, imediata, mesmo passageira (e qual felicidade não
é passageira?). Energia, liberdade.
No amor não
pode haver prisão. Há controle? Não há amor.
Há fraqueza? Amor não há.
O Padre Vieira define,
sabe bem o amor. Ainda que Padre não ame, como nós, leigos,
ele conta do amor místico. Mas é amor, e, em certo
sentido, êxtase. O amor é êxtase. (Abro um parêntese:
Com o levantamento de casos muito antigos colocados nas manchetes, nas
capas das revistas, que serve para enfraquecê-la, a Igreja deve atualmente
estar sofrendo uma retaliação política. Não
é preciso ser cientista político para saber por quê).
Na época de
Vieira, o Brasil era "paraíso" do amor. Não havia pecado
debaixo da linha do Equador (pecado mata o amor, ao nascer). Todo amor
é puro. Principalmente o sexual. Nosso clima brasileiro, praias,
frutas, a cândida nudez indígena, o exotismo, o afastado das
gentes... O Brasil nasceu sob o signo do erótico. Basta ler "Casa
grande & senzala", de Gilberto Freire.
Vieira, grande padre,
grande pregador moralista, deve ter mantido a castidade. Mas a castidade
do amor também é amor.
O amor não
se corrompe, não se compra. Não tem idade, sexo, limites.
Nem é cabível em definição. Não é
conceitual, teorético. O poetas são os que dele dão
conta. Definem os amantes, que "se amam cruelmente, e com se amarem tanto
não se vêem", diz Drummond.
Em "Amor e medo",
o poeta Casimiro diz do amor:
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amôres:
— Meu Deus! que gêlo, que frieza aquela!”
Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segrêdo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu mêdo!
Tenho mêdo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas sêcas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.
Eis Amor. Tememos amor.
É a dissolução do "eu". Quando amamos, mergulhamos
em abismo. Nos perdemos. A felicidade apavorante do amor. Que quer tanto,
é tanto, que eu, um reles cronistazinho de fim de semana, e pretensioso,
meti-me a falar do que não sei, do amor, caindo no ridículo
de todo amante.
Certo é, e
também, que há amores trágicos. Ou tragédias
amorosas. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda.
Certa vez tentei assistir
a uma impressionante adaptação de Romeu e Julieta. Ele era
um jovem palestino muçulmano; ela era uma menina judia israelense.
Em plena guerra! Atravessando
barreiras e fantasmas!
Num dos mais belos
poemas de amor, Tristão e Isolda, Wagner diz mais ou menos assim:
"Para matar-me basta que ele me olhe! Se eu vir a tristeza de seus olhos,
seu olhar penetrará meu coração como um punhal!" Eis
o grande Amor, acima da vida e da morte, sobre as limitações
humanas!
O amor, nobre, importante
sentimento, que, como toda Arte, só aprendemos na Obra de Arte.
A arte nos ensina a amar.
Ou então, como
disse certa vez Drummond: "Amar depois de perder". Aprendemos depois da
perda.
"Triste sina, estranha
condição".
(Diz Camões).