EPHEMERDAS, por GLAUCO MATTOSO

GLAUCO MATTOSO é poeta, auctor de mais de cinco mil sonnettos. Actualmente não compõe mais nesse molde, mas ainda practica outras estrophações.
Para informações sobre a orthographia que adopta, suggere-se accessar:

http://correctororthographico.blogspot.com.br


SETEMBRO/2014

AME-O OU QUEIXE-SE


Uma das resoluções que tomei durante a mais recente e grave crise pulmonar foi parar com tudo que se refira a litteratura no sentido de convivio social e de exposição midiatica. A unica excepção, em termos de collaboração virtual, será esta columna no espaço que a amicissima Leila me mantem aberto desde sempre. Dicto isto, e feita a resalva de que minha orthographia ja está sufficientemente justificada e explicada no blog ETYMOGRAPHIA, passo ao thema do mez.

Dentre as commemorações de septembro, a que mais me instiga é o dia do edoso, mas vou deixar para abbordal-o no anno que vem, quando estaremos mais velhos. Agora a effervescencia politica me induz a abbordar as fataes patriotadas, ou antipatriotadas, dependendo do poncto de vista.

Innumeras vezes tenho ouvido commentarios de brazileiros que torcem contra o Brazil nas coppas, sob a allegação de que, si a selecção é a patria de chuteiras, meresce ser derrotada, para que, cahida a ficha, o povão se conscientize das mazellas politicas, sociaes e economicas mascaradas pelas illusões esportivas. Accrescentam alguns que os norte-americanos, esses sim, teem motivos para sentir orgulho, bem como os europeus, e por ahi vae. Intellectualmente fallando, muito ja se theorizou sobre os dois extremos da brazilidade, que oscillam do ufanismo demagogico ao complexo de viralatta e que pendem para la ou para ca na balança conforme nosso exito ou fracasso no unico poncto em que seriamos os melhores do mundo, o futebol. Carnaval não conta porque não é disputado internacionalmente nem tem sede na Suissa.

Mas por que repiso taes chavões? Não, não é por causa da mais recente derrota no campo da bolla. Occorre-me que até hoje não conhesci um poeta brazileiro que tenha synthetizado seu antipatriotismo de forma cabal e definitiva. Poetas patriotas os temos às pencas de bananas, desde Gonçalves Dias e Castro Alves até Cazuza e Renato Russo, ainda que os idealistas mais recentes e contraculturaes tenham sido menos douradores de pillula que os romanticos. Comtudo, não vejo entre nós ninguem que haja renegado sua nacionalidade tão radicalmente como o portuguez Jorge de Sena, com quem mais me identifico daquelle lado do Atlantico. O sonnetto que fiz para elle em 2009 foi parodia de seu poema "O desejado tumulo" (1970) e vae no proximo capitulo, mas agora quero compartilhar com meus leitores o poema que elle fez a seu paiz e que ainda não consegui paraphrasear em termos tupyniquins, apesar dos eventuaes libellos que destillei. Copio a seguir os versos de Sena e depois sigo commentando.

A PORTUGAL [Jorge de Sena]

Esta é a dictosa patria minha amada. Não.
Nem é dictosa, porque o não meresce.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem patria minha, porque eu não meresço
A pouca sorte de nascido nella.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arrocto de passadas glorias.
Amigos meus mais caros tenho nella,
saudosamente nella, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano imperio;
babugem de invasões; salsugem porca
de exgotto atlantico; irrisoria face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorancia;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funccionarios e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença occulta;
terra de heroes a peso de ouro e sangue,
e sanctos com balcão de seccos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de affaveis para os extrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assigna a merda o seu anonymato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentaes
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, seccas
como esses sentimentos de oito seculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguem, ninguem, ninguem:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

Bem, para começo de conversa, si eu quizesse definir este Pindorama como Sena definiu sua Occidental Praia, devia ter cahido fora como fez elle. Si não o fiz, independentemente dos motivos pelos quaes não consegui deixar o Brazil, não foi porque o amasse, como quizeram os militares do periodo dictatorial, mas, dizia eu, si não o fiz, não me julgo apto a repudial-o tão vehementemente como nos versos accyma, comquanto os endosse, mutatis mutandis. Não obstante, perpetrei minha glosa, e prompto. Considero-me minimamente desembuchado. Até a proxima, compatriotas!

MOTTE:

Eu te odeio, tu me odeias,
mas, por seres meu, sou teu.

GLOSA:

Das bellezas que acho feias
és paiz e eu, filho, auctor
do que feio achas compor:
eu te odeio, tu me odeias.
Si teu sangue em minhas veias
corre e é menos europeu,
teu jeitinho ja me deu
sobrevida como cego.
Sou-te um fardo e eu te carrego,
mas, por seres meu, sou teu.

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