ELA, LUZ CLARA DO DIA; ELE, ESCURIDÃO DA NOITE

Sim, Alberto de Oliveira exibe poesia visual, apresentadora, cinematográfica, descritiva, clássica, seu soneto “Cheiro de espádua” possui música, perfume, perfume de mulher, festa e orquestra, som, brilho, claridade, paixão, desejo, luz, sabe a Proust, a “belle époque”, a luxo, luxo romântico, a Sarah Bernhardt, um luxo adolescente, jovem, sonho, delírio, valsa, rosas, rosas vermelhas.

“Quando a valsa acabou, veio à janela, 
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava.
Eu, viração da noite, a essa hora entrava 
E estaquei, vendo-a decotada e bela.

Eram os ombros, era a espádua, aquela 
Carne rosada um mimo! A arder na lava 
De improvisa paixão, eu, que a beijava, 
Haurí sequiosa toda a essência dela!

Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh ciúme!
Sair velada da mantilha. A esteira 
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.

E agora, que se foi, lembrando-a ainda, 
Sinto que, à luz do luar nas folhas, cheira 
Este ar da noite àquela espádua linda!”

O primeiro verso – “Quando a valsa acabou, veio à janela” – enverga, declara a perfeição clássica, a simplicidade do gênio, é um verso aberto com acento na sexta, ---------------- 6 -------- 10 , um decassílabo perfeito, heróico, camoniano, escorregadio como as valsas, volteia com a saída das moças da sala, virgens, perfumadas e com aquela, que veio até a sacada, respirar o ar fresco da noite, o ar fresco das estrelas, o hálito que desce das estrelas, que desce das luzes estelares, que desce com as fadas, as madrinhas, a pulsação, a palpitação do universo, das esferas que movem o céu, o sol e as outras estrelas, a juventude e seu amor, seu nobre amor, “Quando a valsa acabou... “são sons dos aa do amor, seis aas desse danúbio azul das flores de laranjeiras brasileira, ã – a – a – a – a – a – ou, “Quando a valsa acabou, veio à janela” – aquela valsa do amor do poeta, do amor poético, irisado de brilhos e vidros reluzentes, lustres de vitrine, vista da que veio à janela, “Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava. “– são três segmentos da respiração arfante, da respiração difícil, ofegante, o sorriso da menina no bater do leque do ritmo dos espasmos de seu coração gozoso, prazeroso, sensual da virgindade em perigo, e o poeta, pronto para o ataque amoroso, para o estupro poético, para o noturno de beijos, sim, que é mais que beijo, porque nas espáduas, nos ombros, do “eu, viração da noite, a essa hora entrava / e estaquei, vendo-a decotada e bela”, sim, o poeta entrava, descia, vinha pelo decote pela janela pelas fímbrias do amor – cavaleiro da noite, amante visitante da noite – pois se ela veio da luz e da valsa – ele veio da noite e da viração noturna, agressiva, pecadora, mortal: o seu desejo é cego, arde no fogo na lava da carne rosada rasgada e improvisada da paixão da sala – “eram os ombros, era a espádua, aquela  / Carne rosada um mimo! A arder na lava /  De improvisa paixão, eu, que a beijava, / Haurí sequiosa toda a essência dela!”.

Então ela foge velada, escondida pela mantilha, e ele a segue pelo o rastro do perfume da carruagem de seu cheiro que, sim, continua na noite no luar no ar da noite aspirando-a numa masturbação poética à luz do luar, sim, cheiro de fêmea, do seu colo onde o olhar se precipita vai para o abismo de seu segredo. Sim, deixei-a porque a vi sair velada pela mantilha, a esteira, a perdi, o seu perfume, oh, agora, que se foi, lembrando-a ainda, sinto-a ainda à luz do luar das folhas, no cheiro desse ar da noite oh, aquela espádua linda.

Todo desejo é visual, é pelos olhos que começamos a atividade desejante. Ombros, espádua, a carne rosada, Alberto de Oliveira abre o leque e revela, ostenta, a sua poesia visual, apresentadora do amor visualizado no colo nos ombros da amada, e tomando a parte pelo todo desce até o último íntimo ventre da noite de seu desejo. Até haurir a essência...


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