Simone Salles

Simone, Si, é jornalista e escritora, trabalhou em jornais e revistas da grande imprensa, como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Morou em Brasília 14 anos, onde também foi secretária-adjunta de Comunicação Social do Governo Cristóvam Buarque.


Coluna de 16/5

(próxima coluna 26/5)

Alta Ansiedade ou Maria do Bairro.
Qual script você prefere para sua vida?

               Você conhece ou participa desses grupos de discussão, que proliferam na Internet? Pois é. Eu integro uma porção deles. De Literatura a esoterismo. E a-do-ro! As razões para gostar tanto são várias. Algumas estapafúrdias mesmo. Faz parte da minha assumida esquisitice. Mas aqui vou tratar somente de um desses motivos: a incrível diversidade de gente que esses grupos conseguem reunir! O que é um contra-senso, porque, a priori, deveriam juntar pessoas com idéias semelhantes, gostos parecidos, opiniões similares. Mas não. Num grupo de Literatura, por exemplo, você encontrará de tudo um muito, como nos esotéricos, de amor aos animais, de apaixonados por Agatha Christie – só para citar alguns. E é nisso, nessa mixórdia humana, que reside toda a graça da coisa.

               Dia desses repassei para os grupos que integro uma mensagem recebida de um amigo. Trechos de um suposto manual religioso. Título: ” Cartilha Libertinagem Sexual” . A autoria era atribuída a uma determina igreja cristã. Para não fomentar ainda mais a polêmica, omito o nome. Não enviei com o intuito de denegrir essa ou qualquer outra denominação evangélica. Não faz a minha linha. Teria postado da mesma forma fosse a  esdrúxula cartilha atribuída aos Católicos (e sou católica!), Budistas, Testemunhas de Jeová,  Adventistas do Sétimo Dia ou outra religião-seita qualquer. Sinceramente, a mim sequer importa saber se o divertidíssimo manual existe, de fato, ou é apenas fruto da imaginação fértil de alguém muito bem-humorado. 

               Dentre as diversas orientações a seus fiéis para que evitem viver em pecado, o tal manual justifica certas proibições:

“... Posição Cachorrinho - É uma das posições mais humilhantes para a mulher, pois ela fica prostrada como um animal enquanto seu parceiro ajoelhado apenetra (sic). Animais são seres que não possuem espírito, então o homem que faz o cachorrinho com sua parceira fica com sua alma amaldiçoada e fétida.

Posição Chupetinha - O prazer de levar um órgão sexual à boca é condenado pelas leis divinas. A boca foi feita para falar e ingerir alimentos e a língua para apreciar os sabores. A mulher engolindo o sêmen não vai ter filhos. E o homem somente sentirá dores musculares na língua ao sugar a vagina de sua parceira. ...”

Para finalizar, ensina como praticar sexo sem violar às leis de Deus e ainda dá dicas de como salvar suas almas da danação eterna (o grifo final é meu):

“... Posição Coito Papai-Mamãe - O homem e a mulher deve( sic) lavar suas partes com 1 litro de água corrente misturado com uma colher de vinagre e outra de sal grosso. Após isso, a mulher deve abrir as pernas e esperar o membro enrijecido do seu parceiro para iniciar a penetração. O homem após penetrar a mulher, não deve encostar seu peito nos seios dela, deve manter uma distância pois a fêmea deve estar rezando aos santos para que seu óvulo esteja sadio ao encontrar o espermatozóide. Depois do ato sexual, os dois devem rezar, pedindo perdão pelo prazer proibido do orgasmo. Como penitência, o açoite com vara de bambu é aceito como forma de purificação. ...”

               Como diria o sábio Ibrahim Sued, sorry periferia . Mas, apesar de todo meu respeito às crenças alheias, a tia aqui adora rir! E essa cartilha é uma peça do humor absurdo. Hilariante do princípio ao fim. Ao menos, para mim. E foi por causa dessa minha estranha mania de gostar de rir e de admirar quem me faz rir, que se estabeleceu a celeuma. Minha caixa postal ficou abarrotada de mensagens veementes de protesto. Os dos grupos de Literatura foram os que mais esbravejaram. Para esses, humor e erudição são totalmente incompatíveis. Todos muito intelectuais e instruídos. Portanto, sérios e profundos, voltados para os temas transcendentais da existência humana. O eterno “... To be or not to be?. That's the question...”.

               Tenho para mim – aliás, como o próprio Shakespeare, autor de diversas comédias - que o senso de humor é uma das mais sutis formas de inteligência. E, sempre que posso, rendo minhas homenagens aos que sabem fazê-lo - sejam célebres ou anônimos. Quem percebe e pratica o humor, que se esgueira pelos desvãos desse nosso cotidiano -  tão cheio de atribulações, frustrações e problemas -,  é um ser privilegiado. Vê o que a maioria de nós não percebe. Passamos batidos, lotados, por esses pequenos, mas fundamentais detalhes, que tornam a vida tão mais interessante e divertida.

               Esses são Humanos abençoados. Disso não tenho a menor dúvida. Pois que conseguem levar a existência com leveza e alegria. Têm sempre um sorriso pronto para iluminar sua própria face e alma e, de quebra, a dos afortunado que os acompanham . Não importa qual o tipo de humor. Se é sutil, picante, sarcástico,  pastelão ou até mesmo grosseiro. Humor contagia. Faz com que vejamos luz no final de nossos túneis Transforma grandes problemas em meras questões a serem resolvidas. Reduz conflitos aparentemente insolúveis em questiúnculas vulgares.

               Ora, intelectuais empedernidos, teriam coragem de questionar a profundidade, e sobretudo a seriedade, das mensagens de Sir Charles Spencer Chaplin, transmitidas em filmes como “O Grande Ditador”, “Tempos Modernos” ou Monsieur Verdoux ? Ou, talvez, menosprezar o humor - ora pastelão, ora sarcástico, mas sempre contundentes críticas à hipocrisia social – de Mel Brooks em “O Jovem Frankenstein” , “Alta Ansiedade” ou “A História do Mundo”? Ignorar a inteligência de Grouxo e Harpo Marx ou dos brasileiríssimos Millôr Fernandes, Luis Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro? A lista, graças aos céus, é longa. Escolhi aleatoriamente. Poderia citar, ainda, Oscar Wilde, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Drummond de Andrade.

               Admito: tenho profunda compaixão pelos que levam a si próprios e a tudo com extrema seriedade. Creio que, para esses, a Vida deva ser um fardo pesadíssimo! Insuportável mesmo! Não sei quem foi o imbecil que inventou - pior, convenceu  esses pobres incautos - de que inteligência só é possível se hermética e grave. De preferência, infeliz, conturbada e dramática. Algo na linha das lacrimogêneas novelas mexicanas, cujos personagens inacreditavelmente têm sempre nomes compostos - e, que ninguém nos leia: totalmente disparatados, engraçadíssimos!

               Para essas pessoas que cultivam a sisudez e a circunspecção como demonstração de intelecto privilegiado rogo a Deus: " Pai tendes piedade deles!". E de nós também, por favor! Pois somos obrigados, queiramos ou não, a conviver com essa produção excessiva de bílis. Se me fosse dada à chance de escolher um script para a minha vida, não pestanejaria: seria “Alta Ansiedade”. Jamais “Maria do Bairro”.

* Meu carinho aos bem-humorados Rosane Bosegno, Valéria Duque dos Santos, Manoel 179, Tâmia Magalhães e Flávio Alberoni.

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