"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 23/8
(próxima coluna: 9/9)

Parabéns aos dois anos da coluna!!!


Semelhanças e diferenças entre os poemas “Poética” e “O último poema” de Manuel Bandeira

          Os poemas “Poética” e “O Último Poema” pertencem ao livro Libertinagem , lançado em 1930. Libertinagem não é apenas mais um livro de poemas, trata-se de uma obra com alguns dos poemas definitivos da nossa literatura. Acompanham “Poética” e o “Último poema”, “Pneumotórax” “Porquinho-da-Índia”, “Teresa”, “Irene no Céu” e o clássico “Vou-me embora pra Pasárgada”.
           “Poética” e “O Último Poema” são dois poemas explicitamente meta-lingüísticos que se contrapõem e se completam.
          Em “Poética” temos um poema-manifesto, no qual Manuel Bandeira expõe sua oposição ao parnasianismo castiço que ainda predominava da época, ao romantismo do “lirismo namorador”, à frieza de uma poesia próxima da “contabilidade tabela de co-senos”. De acordo com Brandão (1987) “a atitude do poeta é subversiva na medida em que recusa as manifestações líricas que se caracterizam seja pela contenção, pela disciplina ou por estarem a serviço exclusivo de interesses outros (a pátria, os sentimentos e as dores pessoais).”
          Em “Poética”, Bandeira não é apenas ataque a procedimentos poéticos que ele considerava inconvenientes à poesia, mas também aponta onde buscar o lirismo real, seja pela linguagem, “todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais / todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção / todos os ritmos sobretudo os inumeráveis”, seja por modelos de comportamento pouco convencionais metaforizados pelos loucos, bêbados, palhaços (BRANDÃO), para no fim sintetizar tudo na idéia chave “Não quero mais saber do lirismo que não é libertação”.
          Finalizando o livro Libertinagem encontramos “O Último Poema”, seis versos que expressam como deveria ser o último poema do autor. Aqui já não há mais ataques ao externo, já não há mais a preocupação com os outros poetas, aqui Bandeira já encontrou o lirismo que é libertação e fica idealizando um poema final:

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas,
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

          O que se percebe neste poema é a subjetivação total do desejo. Ao propor uma enumeração de como quereria seu último poema, Bandeira vai num crescendo contínuo: pensa inicialmente em ternura, depois em ardência, beleza, pureza, e por fim o completo e perturbador mistério que fica contido na “paixão dos suicidas que se matam sem explicação”.
           Enquanto “Poética” manifesta um poeta firme, imperativo, dono de certezas reais, expressas de forma pontiaguda, aqui temos um poeta cheio de sombras, sussurrante, expressando quase que timidamente a forma como seu último poema poderia ser. O verbo é o futuro do pretérito, no lugar de um “estou farto” um “Assim eu quereria”, pois “O Último poema” é uma vontade, não uma verdade.
          Em ambos os poemas a libertação é o paradigma máximo da poesia, no “Poética” é a essência da busca, no “Ultimo poema” cristaliza-se no ato máximo de liberdade que o ser humano pode tomar: o suicídio, a negação completa e com ausência de explicação, o que o torna mais livre e perturbador. Não é à toa que Manoel Bandeira escolheu este poema para fechar “Libertinagem”, um dos livros fundamentais da poesia brasileira.

          REFERÊNCIAS
          BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira . Rio de Janeiro, Record/Altaya.
          BRANDÃO, Roberto de Oliveira. Poética e vida em Bandeira. In LOPEZ, Telê Porto Ancona (org): Manuel Bandeira: Verso e reverso . São Paulo, T.A. Queiroz Editor: 1987.

Arquivo de colunas anteriores:

01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48

Voltar