COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 53 - 21/11/2008
(próxima: 6/12)

          
(atenção: novo e-mail)

Sei que faria o mesmo por mim...

             Sábado foi dia especial para mim. A noite da véspera também especial e acordei algumas vezes pensando, que a vida reservava para nós momentos que em suas contrastantes diversidades causavam sensações fascinantes.

             Foi uma noite de muita emoção, na sexta-feira, em que senti o quanto a vida pode nos surpreender através de uma pessoa muito especialmente querida, a demonstrar o valor e grandiosidade de cada acontecimento a desvendar sonhos e ideais.

             Foi com esses sentimentos todos liderando meus pensamentos que cheguei ao lugar que moram meus protegidos e acho que havia um sorriso mais acentuado em meus lábios quando vi as crianças se aproximando em algazarra, cada um querendo falar mais rápido comigo. Foi nessa a hora que rindo muito eu procurava coordenar a pequena e ruidosa confusão das crianças que se empurravam, que eu ouvi a vozinha da pequena Luiza (que eu conhecera a semana passada e tinha perdido a mãe)

              – Você está feliz?

             Ela uma das menores tinham passado pelas outras justamente nas brechas de espaço porque era bem pequenina. Estava a uma distância que eu podia vê-la, mas não dava ainda para tocar-lhe.

              – Por quê está dizendo isso?

             Enquanto falava, beijava os que estavam na frente e pude chegar perto dela no exato momento em que acabava de fazer a pergunta. Beijei-a com carinho e segurei sua mãozinha enquanto dialogava com ela.

              – Não sei. E de repente me abraçou impetuosamente, as lágrimas descendo de seu rostinho bonito. Perguntei-lhe o que havia acontecido e enquanto chupava uma das balas que eu tinha trazido para elas perguntou, a voz dominada pelos soluços:

              – Ela nunca mais vai voltar?

             Entendi que estava falando da mãe e procurei da melhor forma confortá-la. Meu Deus! Que se pode dizer a uma criança indefesa, numa hora dessas? Sabia que seu pai era alcoólico  e precisava conversar com ele. Segundo a vizinha ele havia concordado em conversar comigo. Pedi às outras crianças que esperassem um pouco e segui com Luiza para sua casa. Não sabia como seu pai iria me receber, mas eu não retrocederia um milímetro no que pretendia fazer. Uma senhora que morava ao lado deles nos acompanhava e chegando ele abriu a porta antes mesmo que batêssemos.

             Sr. Pedro ficou olhando para mim, sem falar uma palavra enquanto eu o cumprimentava. Era bastante jovem e parecia sóbrio, seu rosto estava congestionado talvez pelo sono e os olhos vermelhos não muito amistosos embora eu tenha notado que quando me viu suavizou a expressão. Sorri para ele perguntando se podíamos conversar a sós e a senhora e Luiza saíram lentamente do corredor estreito que funcionava à guisa de sala. Ele pediu que me sentasse numa cadeira tosca que estava ali

             Tudo era escuro, ainda mais que o tempo estava realmente chuvoso, entretanto sempre me impressionava como alguém poderia viver num lugar tão petrificante e como sempre lamentando o sofrimento de nosso semelhante...

              – Sr. Pedro, não é fácil iniciar um assunto que o senhor poderá dizer que não é da minha conta...

              – Você tem direito sim. Não tinha comida em casa. Minha filha ia passar fome. Ainda tenho alguma coisa na cesta da semana passada. Só não sei se vai adiantar alguma coisa. Bebo e já tentei parar 3 vezes. Não consigo trabalhar quando paro. Tremo muito você sabe...

              – Entendo. É normal que isso aconteça. Mas já foi algum dia nos Alcoólatras Anônimos? E quanto à cesta, não se preocupe. Trouxe outra.

             Contava com tudo, mas não com a atitude inesperada dele.

             Baixou a cabeça sobre os braços e soluçava profundamente. Minhas lágrimas desceram sem que eu conseguisse dominar e levantando-me da minha cadeira agachei-me em frente a ele perguntando:

              – Quer ser ajudado? Já soube que é uma pessoa boa e trabalhadora. Que gostava de sua mulher, mas que está revoltado. Posso ajudá-lo?

             Ele olhou muito tempo para mim suavemente, mas não abaixei os olhos. Tinha que convencê-lo e dizer que estava disposta a ajudar.

              – Sim, eu quero, estou doente, me sinto mal, mas tenho que pensar na minha filha.

              – Arranjaremos alguém de confiança que tome conta de crianças, por enquanto. Luiza foi ao médico comigo essa semana. Está tomando a vitamina?

              – Quero agradecer. Ninguém nunca fez isso. Por quê faz isso?

             Olhei-o sorrindo e respondi lentamente:

              – Porque estamos aqui fazendo essa viagem na terra, somos companheiros de trajeto e nada melhor que um ajudar o outro.

             Ele sorriu docemente, baixou a cabeça e quando levantou o rosto devastado de sofrimento, eu lhe disse:

              – Sei que faria o mesmo por mim...


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