Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 90 - 2 ª quinzena agosto
(próxima coluna: 10/9)


O DOMADOR DA MONTANHA


Obra inédita

Capítulo 3: O EXÍLIO

          ANL era o detentor do poder de seu adotivo pai.
           Mas ele tinha um comportamento estranho, criticado na corte: suas roupas e atitudes causavam escândalo, ele andava nu com ornamentos de ossos humanos, usava um damaru e uma lança katvanga nas mãos e costumava dançar sem roupas no telhado do palácio.
          O damaru era um tambor feito de duas metades de crânios humanos.
          Quando ele dançava no telhado, muitos expectadores apareciam para olhá-lo.

          Um dia, ele deixou cair sua lança do telhado, o que matou o filho do Primeiro Ministro Kamalatey, que estava em baixo.

          O conselho de ministros, que o odiava, reuniu-se e decidiu puni-lo severamente com tortura e morte, como determinava a lei.

          Os ministros foram ao rei e disseram:

          — Ainda que este jovem tenha sido entronizado príncipe, seu comportamento é completamente impróprio para um monarca e ele matou o filho do Primeiro Ministro. Todos são iguais perante a lei, por isso nós o condenamos à morte, vai ser empalado.

          O rei Indrabodhi, usando um dos artigos da lei, suplicou:

          - Ainda não sei, ó Suprema Corte, se o príncipe é uma criança ou um não-humano, ou mesmo se ele é uma miraculosa aparição. Por isso, acho impróprio querer matá-lo: ele deve ser banido! Se fosse humano sim, seria condenado à morte.

          Os ministros comutaram a pena de morte em exílio.

          O rei Indrabodhi ficou arrasado.
          Constantemente chorava e entrou na mais aguda depressão de se ver privado de seu único e amado filho. Mesmo adotivo, ANL era muito amado pelo rei. Com o passar dos anos, esse amor se consolidou de tal forma que o rei Indrabodhi nem se lembrava que ANL não era realmente seu filho.

          Mas a lei em Uddiyana, criada pelo monarca, era clara: todos eram iguais perante a lei, mesmo o próprio rei. Mas ele tinha conseguido livrar ANL da tortura e morte, mas era impossível salvá-lo do exílio.

          Nos últimos dias, o rei fez tudo o que pôde por seu jovem príncipe, tratando-o com todas as regalias, e compôs para ele um poema, que dizia:

          Da flor do lótus, dentro de preciosa água,
          Você apareceu, sem pai e mãe, ó criança miraculosa!
          Carente de um filho eu te fiz rei do meu reino,
          E por sua ação, ó meu príncipe, está sentenciado ao exílio!
          Vá, agora, para seu destino!

          ANL respondeu dizendo que pai e mãe, neste mundo, são muito preciosos:

          - Você foi meu pai e minha mãe, e deu-me um trono, disse ANL. O filho do ministro foi morto por seu próprio carma. É correto que eu seja exilado de acordo com a própria lei de meu pai.

          - Veja, acrescentou ANL, eu não estou chorando!

          E continuou:

          - Não existe alegria nem tristeza, pois a mente não tem nem nascimento nem morte!

          E olhando firmemente para seu pai, acrescentou:

          - Como eu não tenho apego a nada, nem à pátria nem à casa de meu pai, não estou triste, nem intimidado.

          E, sorrindo, continuou, afagando os brancos cabelos do velho e bondoso rei:

          - Continue feliz! Continue feliz! ó meu pai e mãe, pois, através de nossa conexão cármica, nós vamos encontrar-nos outra vez no futuro!

          E o rei desmaiou.

 

          Os algozes ministros conduziram ANL para um ossuário sepulcral, conhecido como Gruta do Gélido Horror, no Leste de Uddiyana. Aquele era um lugar apavorante, coberto de cadáveres, espíritos, abutres e ferozes predadores.

          Naquela época, os cadáveres eram enrolados em pedaços de algodão e perto deles eram deixadas algumas comidas rituais, feitas de papas de arroz.

          Como ANL era um perfeito iogue do mantra secreto, e como ali fora deixado despido de suas vestes imperiais, ele passou a vestiu-se com os panos tirados dos cadáveres, e comia as comidas deles.

          Ali, no meio daquele terrível cemitério, ANL entrou em meditação e permaneceu no profundo samadhi chamado Inamovível.

          Ele encontrou ali um estado de grande felicidade!

          Depois de algum tempo, sobreveio uma epidemia e fome que dizimou a população de toda aquela terra. Muitas pessoas morriam. Numerosos cadáveres eram jogados ali, sem as faixas de algodão que os envolviam, sem as provisões de comida a que tinham direito de acordo com os rituais de suas religiões.

          Por causa disso, o Príncipe ANL passou a vestir-se de pele humana, e passou a alimentar-se da carne dos cadáveres humanos. Por causa disto, ele subjugou todas as dakinis mamo e as manteve sob seu poder. E continuou sua meditação.

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